Risco ou Alívio? Cientistas pedem mais pesquisas sobre antidepressivos e gravidez

Os antidepressivos são um tipo de medicamento usado para tratar sintomas de depressão, ansiedade e outras condições de saúde mental. Imagem via Unsplash

Cientistas brasileiros propõem a realização de experimentos com minicérebros desenvolvidos em laboratório para estudar os efeitos de drogas no desenvolvimento do cérebro fetal.

A depressão afeta uma parcela significativa das gestantes em todo o mundo, com estimativas que variam de 10% a 16%. Embora a maioria das mulheres possa melhorar com a ajuda de medicamentos antidepressivos, os efeitos dessas drogas no desenvolvimento do cérebro fetal não são totalmente compreendidos.

Pesquisadores brasileiros revisaram mais de 100 artigos científicos sobre o tema e concluíram que técnicas avançadas como a genômica devem ser utilizadas para estudar o impacto dos antidepressivos, principalmente a sertralina, o antidepressivo mais prescrito no mundo. Embora a segurança do uso dessas drogas durante a gravidez seja apoiada por evidências científicas, mais pesquisas são necessárias para entender completamente seus efeitos no neurodesenvolvimento fetal.

“A maioria das publicações que analisamos eram relatórios de pesquisas observacionais e estudos realizados em laboratório usando culturas de células e animais, cujo desenvolvimento cerebral é muito diferente do humano. Eles não oferecem dados suficientes para justificar resultados conclusivos”, disse o neurocientista Alexandre Kihara, pesquisador do Laboratório de Neurogenética da Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Bernardo do Campo (SP).

“Propomos um modelo experimental envolvendo células-tronco pluripotentes induzidas por humanos [hiPSC] para investigar o que acontece com o desenvolvimento de células nervosas fetais em gestantes durante o tratamento com antidepressivos”, disse Luciana Rafagnin Marinho, pesquisadora da UFABC com doutorado e pós-doutorado em epigenética, produção in vitro de embriões e reprodução animal.

Marinho e Kihara são os primeiros e últimos autores, respectivamente, do artigo de revisão recentemente publicado na revista Seminars in Cell & Developmental Biology. O estudo foi financiado pela FAPESP.

Células-tronco pluripotenciais induzidas pelo homem podem ser diferenciadas em organoides cerebrais (“mini-cérebros”), que os cientistas querem usar na pesquisa de doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer, e no teste de medicamentos com ação neurológica.

“Essas estruturas podem ser usadas para testar diferentes dosagens e acompanhar o desenvolvimento das células cerebrais até o terceiro trimestre”, disse Alysson Muotri, penúltimo autor do artigo. Muotri é neurocientista da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), nos Estados Unidos, e dirige um laboratório de genética pioneiro no desenvolvimento de organoides cerebrais para estudar o autismo e outros distúrbios neurológicos. Ele também é co-fundador da Tismoo, uma startup brasileira de biotecnologia.

“Podemos estudar os organoides por até um ano, observando aspectos de seu desenvolvimento, como a morfologia e a eletrofisiologia de neurônios individuais ou redes neurais”, explicou.

Para exemplificar os possíveis avanços, Marinho citou o único estudo que utilizou organoides cerebrais entre os mais de 100 abordados pela revisão. “Ele investigou os efeitos da paroxetina e detectou uma redução no crescimento de neurites [projeções de neurônios que se desenvolvem em axônios e dendritos para formar circuitos complexos] e da população de oligodendrócitos, que produzem a bainha de mielina ao redor dos axônios e, portanto, são importantes para permitir informações viajem pelo sistema nervoso”, disse ela.

Os cientistas observam que o sequenciamento de todo o genoma, a análise do transcriptoma e o sequenciamento de RNA de célula única se aplicam à pesquisa usando organoides. “A tecnologia permite investigar os efeitos da exposição a antidepressivos em diferentes tipos de células, como células progenitoras, células gliais e neurônios. Isso é particularmente importante porque as alterações podem não estar confinadas aos neurônios. Precisamos conhecer todas essas implicações”, disse Kihara.

É preciso cautela na interpretação dos resultados desse tipo de pesquisa. “Não estamos dizendo que os antidepressivos não devem ser usados na gravidez. Propomos um modelo experimental e reforçamos a necessidade de estudar seus efeitos no neurodesenvolvimento com os recursos mais avançados disponíveis para que possíveis alterações sejam gerenciadas”, disse Kihara.


Publicado em 22/01/2023 21h34

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