doi.org/10.3389/fcimb.2022.915701
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#Autismo
Detectar precocemente distúrbios do neurodesenvolvimento, como o autismo, é essencial para que crianças recebam apoio e desenvolvam habilidades fundamentais para a vida diária. A Academia Americana de Pediatria recomenda o rastreamento de atrasos de desenvolvimento em todas as crianças e avaliações adicionais para as que nasceram prematuras ou com baixo peso. No entanto, o U.S. Preventive Services Task Force solicita mais pesquisas sobre a eficácia dos métodos atuais de triagem para autismo, que se baseiam em listas de marcos de desenvolvimento e sintomas, muitas vezes observados depois que as fases cruciais já passaram.
Microrganismos intestinais como indicadores
Pesquisadores que estudam o papel do microbioma em condições como doenças mentais e autoimunes estão buscando formas de identificar sinais precoces de risco para essas condições. Em um estudo recente feito com crianças suecas, descobrimos que os microrganismos e os metabólitos presentes no intestino dos bebês – tanto nas fezes quanto no sangue do cordão umbilical – podem ajudar a prever o risco de autismo e outras condições neurodesenvolvimentais. As diferenças foram detectadas logo no nascimento ou no primeiro ano de vida, em média uma década antes do diagnóstico.
O microbioma e o neurodesenvolvimento:
O microbioma, que se transforma muito durante a infância, é moldado pelo sistema imunológico, eventos da vida e fatores como genética, ambiente, infecções e uso de medicamentos. Estudos mostram que crianças com autismo ou TDAH frequentemente apresentam problemas gastrointestinais, como dor, constipação e diarreia, que, se não tratados, podem levar a distúrbios de sono e comportamento. Houve melhorias nos sintomas de algumas crianças após receberem transplantes de microrganismos saudáveis no intestino, com benefícios que duraram até dois anos.
Muitas pesquisas se concentraram em indivíduos já diagnosticados com TDAH ou autismo, mas ainda não se sabe ao certo se o microbioma contribui diretamente para essas condições ou se muda em consequência delas. Alguns estudos, no entanto, não consideram desequilíbrios microbianos antes do diagnóstico, analisando apenas dados anos depois.
Descobrindo pistas antes dos sintomas
Queríamos entender se os microrganismos presentes em crianças pequenas, antes de qualquer sintoma de autismo, poderiam oferecer pistas sobre seu desenvolvimento. Assim, analisamos amostras de sangue e fezes de crianças de um estudo que acompanha cerca de 17.000 bebês suecos nascidos entre 1997 e 1999. Ao longo dos anos, aproximadamente 1.200 dessas crianças receberam diagnósticos de distúrbios neurodesenvolvimentais.
Encontramos diferenças na composição bacteriana e nos níveis de metabólitos que surgem antes dos sintomas iniciais, como problemas gastrointestinais e alterações no sono, e antes de diagnósticos formais. Descobrimos também que o uso repetido de antibióticos pode causar um desequilíbrio no microbioma, aumentando o risco de autismo em até quatro vezes.
Em seguida, ligamos bactérias a neurotransmissores – sinais químicos que ajudam as células cerebrais a se comunicarem – e vitaminas como riboflavina e vitamina B nas fezes da criança. Dadas as pesquisas anteriores sobre crianças e adultos já diagnosticados com um transtorno do neurodesenvolvimento, esperávamos encontrar diferenças na composição e saúde do microbioma entre aqueles com e sem condições do neurodesenvolvimento.
Mas ficamos surpresos ao descobrir o quão cedo essas diferenças surgem. Vimos variabilidade nos micróbios e metabólitos que afetam a saúde imunológica e cerebral, entre outros, nas fezes coletadas de fraldas de crianças por volta de 1 ano de idade e no sangue do cordão umbilical coletado no nascimento.
Antibióticos e o microbioma infantil:
O uso de antibióticos é necessário para combater infecções bacterianas, e nossos resultados não sugerem evitar seu uso. No entanto, nossas descobertas indicam que o uso frequente durante a infância pode ser um sinal de disfunção imunológica ou problemas no desenvolvimento cerebral, influenciados pelo microbioma. Vale a pena considerar se as crianças poderiam se beneficiar de tratamentos para restaurar o microbioma após o uso de antibióticos.
Observamos ainda a ausência de uma bactéria chamada *Coprococcus comes*, associada à saúde mental e à qualidade de vida, e o aumento de outra chamada *Citrobacter*, resistente a antimicrobianos. Além disso, crianças diagnosticadas com autismo apresentavam níveis reduzidos de *Akkermansia muciniphila*, uma bactéria que reforça a parede intestinal e está ligada à saúde neurológica.
Mesmo após considerarmos fatores como o tipo de parto e a amamentação, o vínculo entre o desequilíbrio bacteriano e o diagnóstico futuro se manteve. Esses desequilíbrios eram observados, em média, 13 a 14 anos antes do diagnóstico de autismo, TDAH ou deficiência intelectual, reforçando que essas mudanças no microbioma antecedem alterações na dieta.
O papel do rastreamento do microbioma:
Rastrear o microbioma ainda não é uma prática comum em consultas pediátricas, mas nossas descobertas sugerem que detectar desequilíbrios entre bactérias benéficas e prejudiciais, especialmente nos primeiros anos de vida, pode ser importante para orientar as famílias. Embora ainda haja um longo caminho para que o rastreamento do microbioma se torne padrão, nossos achados reforçam que o microbioma infantil desempenha um papel fundamental no desenvolvimento neurológico.
Publicado em 04/10/2024 09h30
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