Cientistas expõem impactos cognitivos de longo prazo da COVID-19 leve

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doi.org/10.1186/s40359-024-01740-7
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Pesquisas indicam que, embora os efeitos mais graves do SARS-CoV-2 tenham sido observados em pacientes com COVID-19 aguda, indivíduos que apresentaram casos mais leves e não foram hospitalizados também relataram sintomas de perda de memória e déficits de atenção que duraram mais de 18 meses após a infecção.

Perda de memória e déficit de atenção são queixas comuns entre sobreviventes graves de COVID-19. No entanto, esses e outros comprometimentos cognitivos também foram observados em pacientes com casos leves mais de 18 meses após a infecção, de acordo com um estudo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) no Brasil.

Um artigo sobre o estudo foi publicado no periódico BMC Psychology. As descobertas destacam a necessidade de uma reabilitação mais abrangente para abordar os impactos cognitivos duradouros da COVID longa, escrevem os autores.

Dados coletados de 302 voluntários apontaram comprometimento cognitivo em 11,7% dos pacientes leves, 39,2% dos pacientes moderados e 48,9% dos pacientes graves.

Embora os danos causados “”pela doença em termos de perda de memória, déficit de atenção e lentidão de processamento aumentem em proporção à sua gravidade, os mesmos problemas afetam um número nada desprezível de pessoas – cerca de 100 em nosso estudo – que tiveram COVID leve ou moderada,- disse Antônio de Pádua Serafim, primeiro autor do artigo e professor do Instituto de Psicologia (IP-USP).

Os resultados do estudo, que foi financiado pela FAPESP, evidenciam o potencial impacto da neuroinflamação devido à infecção pelo SARS-CoV-2.

A perda de memória e o déficit de atenção são conhecidos por estarem associados à síndrome pós-tratamento intensivo devido à intubação sob anestesia profunda. Alguns dos dados analisados “”no estudo, no entanto, eram de pacientes que não necessitaram de tratamento intensivo ou nem sequer apresentaram sintomas suficientes para serem hospitalizados e, mesmo assim, apresentaram perda de memória e déficit de atenção. Os achados, portanto, abriram nossos olhos para a questão da neuroinflamação devido à COVID-19,- disse Serafim.

Memória e atenção são funções cognitivas importantes que afetam o dia a dia das pessoas. Refletindo isso, os participantes do estudo com pontuações baixas em testes de memória e atenção relataram dificuldades em lembrar palavras ou realizar atividades rotineiras, como esquecer panelas no fogão ou não buscar as crianças na escola.

Hierarquicamente falando, a atenção é a função primária em toda atividade mental, e isso explica por que o déficit de atenção tem um impacto tão grande na vida diária das pessoas. Atenção de alta qualidade é necessária para pensar e agir de várias maneiras ao mesmo tempo. O comprometimento da atenção, por sua vez, afeta a memória. Em alguns casos, a atividade atencional é tão dispersa que cada novo estímulo [ou atividade iminente] se dissolve, de modo que a pessoa não consegue se lembrar do que estava fazendo. Isso também afeta a atividade de processamento, que envolve tomada de decisão rápida com base em informações, – ele disse.

Reabilitação cognitiva

Segundo Serafim, todas as evidências mostram há algum tempo que o SARS-CoV-2 pode afetar o sistema nervoso central, assim como pulmões, rins, coração e músculos, mas a extensão dos danos que ele pode causar é pouco compreendida. Não sabemos se o comprometimento cognitivo devido à COVID-19 é permanente, e estamos avaliando formas de intervir nesse processo, disse.

Em parceria com outros pesquisadores da USP, Serafim está desenvolvendo programas para tentar amenizar as perdas cognitivas causadas pela COVID-19. O objetivo é descobrir se técnicas como neuroestimulação e neurofeedback podem atenuar ou reservar a perda de memória e o déficit de atenção.

Ambas são técnicas não invasivas que visam melhorar as funções cerebrais por meio da neuromodulação, que pode estimular as conexões entre os neurônios do cérebro [sinapses]. Temos apenas estudos de caso até agora. Por exemplo, no caso de um médico que ficou 34 dias na unidade de terapia intensiva, fizemos um protocolo de neurofeedback, muito usado para estudar pacientes com transtorno de déficit de atenção, e ele se recuperou bem. Mas esse foi um caso isolado,- disse ele.

Com base no conhecimento que adquirimos até agora sobre técnicas de estimulação cognitiva e reabilitação, acredito que pode ser possível obter uma melhora na conectividade neural por meio do treinamento cerebral para estimular a capacidade cognitiva geral. A fase grave da pandemia acabou, mas as sequelas persistem. Então não é um caso fechado. Muitas pessoas foram infectadas, e muitas têm sequelas desse tipo. No entanto, não temos um programa eficaz para intervir não apenas nos aspectos emocionais, mas também nas dificuldades cognitivas decorrentes da COVID-19.


Publicado em 30/07/2024 14h05

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