doi.org/10.1038/s41593-024-01766-5
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#Cérebro
Pesquisadores descobriram que a rede neural do pequeno cérebro das moscas-das-frutas é capaz de gerar uma bússola interna precisa, mostrando que cálculos complexos podem ser realizados com menos neurônios do que se pensava.
Os neurocientistas enfrentavam um dilema
Por anos, havia uma teoria de que o cérebro dos animais rastreia sua posição em relação ao ambiente sem depender de pistas externas, como quando conseguimos perceber onde estamos mesmo de olhos fechados. Essa teoria, baseada em estudos com roedores, sugeria que redes neurais chamadas de “redes de anel atrator” mantinham uma bússola interna que registrava nossa localização no mundo. Acreditava-se que para uma bússola ser precisa, seria necessário uma grande rede com muitos neurônios, pois uma rede menor causaria erros na orientação.
Então, os pesquisadores descobriram uma bússola interna na pequena mosca-das-frutas.
“A bússola da mosca é muito precisa, mas é formada por uma rede muito pequena, diferente do que as teorias anteriores previam”, diz Ann Hermundstad, líder do grupo Janelia. “Isso mostrava claramente que havia uma lacuna na nossa compreensão sobre bússolas cerebrais.”
Agora, uma pesquisa liderada por Marcella Noorman, pós-doutoranda no Laboratório Hermundstad no Janelia Research Campus, do Instituto Médico Howard Hughes (HHMI), explica essa questão. A nova teoria mostra que é possível criar uma bússola interna perfeitamente precisa com uma rede muito pequena, como no caso das moscas-das-frutas.
O estudo altera a forma como os neurocientistas entendem como o cérebro realiza várias tarefas, desde memória de trabalho até navegação e tomada de decisões.
“Isso realmente amplia nosso conhecimento sobre o que redes pequenas podem fazer”, afirma Noorman. “Elas conseguem realizar cálculos muito mais complicados do que pensávamos.”
Como gerar um anel atrator
Quando Noorman chegou a Janelia, em 2019, foi apresentada ao problema que Hermundstad e outros estavam tentando resolver: como o pequeno cérebro da mosca poderia gerar uma bússola interna precisa”
Inicialmente, Noorman tentou provar que não seria possível gerar um anel atrator com uma rede pequena de neurônios, a menos que fossem acrescentados elementos extras, como outros tipos de células e propriedades biofísicas mais detalhadas das células. Para testar essa ideia, ela retirou todos os “elementos extras” dos modelos existentes, tentando gerar um anel atrator apenas com o que restava. Ela acreditava que isso não seria viável.
Porém, Noorman encontrou dificuldades em comprovar sua hipótese. Foi então que decidiu mudar sua abordagem.
“Tive que mudar minha mentalidade e pensar: talvez seja possível gerar um anel atrator com uma rede pequena”, diz ela, “e então descobrir quais condições específicas essa rede precisa satisfazer para que isso aconteça.”
Ao mudar de perspectiva, Noorman descobriu que, de fato, é possível gerar um anel atrator com apenas quatro neurônios, desde que as conexões entre eles sejam ajustadas com precisão. Ela trabalhou com outros pesquisadores do Janelia para testar a nova teoria no laboratório, encontrando evidências fisiológicas de que o cérebro da mosca é capaz de gerar um anel atrator.
“Redes menores e cérebros menores podem realizar cálculos mais complicados do que pensávamos”, afirma Noorman. “Mas, para isso, os neurônios precisam estar conectados de forma muito mais precisa do que precisariam em um cérebro maior, onde é possível usar muitos neurônios para realizar o mesmo cálculo.”
“Existe uma troca entre quantos neurônios são usados para essa computação e o quão cuidadosamente eles precisam ser conectados”, explica ela.
Os próximos passos dos pesquisadores são explorar se os “elementos extras” poderiam tornar a rede de anel atrator mais robusta e se a computação básica poderia servir como um bloco de construção para cálculos mais complexos em redes maiores com múltiplas variáveis. Experimentos adicionais também poderão ajudar a entender como as conexões entre os neurônios são ajustadas e como as pistas sensoriais podem influenciar a representação da direção da cabeça na rede.
Para Noorman, uma matemática que se tornou neurocientista, tem sido um desafio, mas também divertido, traduzir a biologia em um problema matemático que pode ser resolvido.
“O sistema de direção da cabeça da mosca foi o primeiro exemplo de atividade neural que eu já tinha visto, então tem sido interessante descobrir e entender como ele funciona”, ela diz.
Publicado em 14/10/2024 19h32
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