Como o cérebro aprende com o medo e o fracasso

Pesquisadores do Instituto HUN-REN descobriram que neurônios inibitórios específicos no cérebro, conhecidos como neurônios HDB-PV, desempenham um papel crítico na aprendizagem com experiências negativas. Esses neurônios potencializam os processos cognitivos e são essenciais para chamar a atenção e facilitar o aprendizado em resposta a estímulos aversivos. Imagem via Pixabay

doi.org/10.1038/s41467-024-48755-7
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#Cérebro 

Um estudo de neurociência identifica neurônios cerebrais específicos que são vitais para aprender com estímulos negativos, destacando seu papel potencial na saúde mental.

Costumamos dizer “Não farei isso de novo” quando nos deparamos com feedback negativo, efeitos adversos ou resultados decepcionantes.

A partir dessas experiências, tentamos aprender.

Como o cérebro facilita esse tipo de aprendizagem” Os reforços positivos e negativos são mecanismos cruciais dentro do sistema de avaliação do cérebro.

Os neurônios que liberam o neurotransmissor dopamina significam resultados melhores ou piores do que o esperado, aumentando ou diminuindo sua atividade.

Enquanto isso, há evidências crescentes de que outras partes do cérebro lidam com o “negativo” e o “positivo” de maneira diferente.

Os axônios que expressam parvalbumina (amarelo) entram em contato com um neurônio colinérgico (ciano) no septo medial. Crédito: Panna Hegedüs. Extraído de Hegedüs et al., 2024, Nature Communications.

Excitação e Atenção em Experiências Negativas

As experiências negativas muitas vezes provocam um efeito de excitação significativo, ativando partes específicas do neocórtex.

Esta ativação ajuda-nos a concentrar-nos em características pertinentes e a aprender com a experiência, um conceito conhecido como “atenção à aprendizagem aversiva”.

Pesquisadores do Instituto de Medicina Experimental HUN-REN, liderados por Balazs Hangya, exploraram quais regiões do cérebro e tipos de neurônios estão envolvidos na aprendizagem aversiva.

O estudo, publicado na revista Nature Communications, revela que neurônios inibitórios de projeção de longo alcance que expressam a proteína parvalbumina (PV) no membro horizontal da banda diagonal de Broca (HDB) desempenham um papel crucial neste processo.

Funcionalidade dos neurônios e descobertas experimentais

Esses neurônios HDB-PV, conhecidos por sua atividade rápida, transmitem efeitos estimulantes ao neocórtex e controlam oscilações gama críticas para funções cognitivas.

Portanto, apareceram como bons candidatos para mediar a “atenção para a aprendizagem aversiva”.

A equipe de Hangya mostrou que esses neurônios são de fato recrutados por eventos aversivos em ratos experimentais, como uma lufada de ar inesperada no rosto que os ratos tentam evitar, ou o odor de um predador temeroso.

Os efeitos dos eventos aversivos

Os eventos aversivos ativam uma série de vias, levando a uma série de consequências no cérebro.

Primeiro, promovem comportamentos de evitação que reduzem o risco de suportar impactos negativos.

Em segundo lugar, aumentam a excitação e a atenção ao ativar partes relevantes do neocórtex, ajudando o organismo lidando com a situação.

Terceiro, facilitam a aprendizagem para evitar ou mitigar cenários futuros semelhantes.

Panna Hegedüs, a primeira autora do estudo, observou: “Aprender com experiências negativas é uma estratégia de sobrevivência antiga e profundamente enraizada.

Pode até anular os efeitos do reforço positivo.”

Insights da optogenética

A equipe de Hangya usou uma tecnologia chamada optogenética, que pode tornar tipos específicos de células, neste caso, neurônios HDB-PV, sensíveis à luz.

Estas técnicas permitem a ativação ou supressão precisa da atividade dos neurônios pela entrega cronometrada de luz no tecido cerebral através de pequenas fibras ópticas.

Eles descobriram que a ativação de neurônios HDB-PV não causava comportamento de evitação em camundongos, sugerindo que essa via não está envolvida na evitação ativa, como a busca por abrigo, mas mais provavelmente medeia a atenção e/ou aspectos de aprendizagem induzidos por estímulos aversivos.

De fato, quando bloquearam optogenéticamente as respostas dos neurônios às baforadas de ar faciais, os ratos não conseguiram aprender a discriminar estímulos auditivos preditivos prevendo baforadas de ar prováveis ou improváveis.

Este experimento demonstrou que os neurônios HDB-PV são necessários para aprender com estímulos aversivos.

Circuitos Neurais e Respostas Comportamentais

Os neurônios não agem isoladamente, mas fazem parte de circuitos complexos com diversas vias de entrada e saída.

A equipe de Hangya, juntamente com Gabor Nyiri e colegas de trabalho do mesmo instituto, mapearam as entradas e saídas dos neurônios HDB-PV.

Eles descobriram que essas células integram múltiplas fontes de informação aversiva, incluindo vias proeminentes do hipotálamo e dos núcleos da rafe do tronco cerebral.

Por sua vez, transmitem informações integradas ao chamado sistema límbico, amplamente responsável pelas respostas comportamentais e emocionais, incluindo o sistema septo-hipocampal, importante para armazenar e recordar memórias episódicas.

Além disso, as células inibitórias HDB-PV têm como alvo principalmente outros neurônios inibitórios nessas regiões, provavelmente aliviando a inibição das células excitatórias e permitindo que sejam mais ativas – um mecanismo cerebral onipresente chamado desinibição.

Conclusão e implicações para a saúde mental

O estudo sugere que os neurônios HDB-PV inibitórios de longo alcance são recrutados por estímulos aversivos para servir funções cruciais de aprendizagem associativa através do aumento da excitabilidade cortical em áreas-alvo específicas, provavelmente por desinibição.

Assim, pelo menos para estímulos aversivos, os neurônios HDB-PV podem ser o substrato físico do conceito de “atenção para a aprendizagem”.

“A desregulação do processamento de valência positiva e negativa pode ser observada em diferentes transtornos psiquiátricos, incluindo ansiedade e depressão.

Portanto, é crucial compreender como a valência negativa é codificada no cérebro e como ela contribui para a aprendizagem”, conclui Hegedüs.


Publicado em 26/06/2024 20h14

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