Células cerebrais humanas implantadas em ratos provocam excitação e preocupação

Pesquisadores transplantaram um organoide do cérebro humano (verde brilhante) no cérebro de um filhote de rato recém-nascido, criando um cérebro híbrido no qual os neurônios interagem.Crédito: Stanford University

Cérebros híbridos de ratos e humanos oferecem novas maneiras de estudar distúrbios neurológicos humanos, mas também levantam questões éticas.

Estruturas em miniatura semelhantes ao cérebro humano transplantadas em ratos podem enviar sinais e responder a sinais ambientais captados pelos bigodes dos ratos, de acordo com um estudo1. Essa demonstração de que neurônios cultivados a partir de células-tronco humanas podem interagir com células nervosas em roedores vivos pode levar a uma maneira de testar terapias para distúrbios cerebrais humanos.

Os cientistas gostariam de usar organoides cerebrais – pequenas estruturas semelhantes ao cérebro cultivadas a partir de células-tronco humanas – para estudar distúrbios neurodegenerativos e neuropsiquiátricos que os humanos desenvolvem. Mas os organoides imitam os cérebros humanos até agora. Eles não desenvolvem vasos sanguíneos e, portanto, não podem receber nutrientes, o que significa que não prosperam por muito tempo. E eles não recebem a estimulação de que precisam para crescer completamente: no cérebro de um bebê humano, o crescimento dos neurônios e como eles desenvolvem conexões com outros neurônios são baseados em parte na entrada dos sentidos.

Para dar aos organoides cerebrais essa estimulação e suporte, o neurocientista Sergiu Pasca, da Universidade de Stanford, na Califórnia, e seus colegas cultivaram as estruturas de células-tronco humanas e as injetaram no cérebro de filhotes de ratos recém-nascidos, com a expectativa de que as células humanas crescessem junto com as próprias células dos ratos. A equipe colocou os organoides em uma região do cérebro chamada córtex somatossensorial, que recebe sinais dos bigodes dos ratos e outros órgãos sensoriais e os transmite para outras regiões do cérebro que interpretam os sinais.

As células do cérebro humano amadurecem muito mais lentamente do que as células de ratos, então os pesquisadores tiveram que esperar mais de seis meses para que os organoides se integrassem totalmente nos cérebros dos ratos. Mas quando examinaram os cérebros dos animais no final desse período, viram que a integração havia sido tão bem-sucedida que era quase como adicionar “outro transistor a um circuito”, disse Pasca em uma entrevista coletiva em 10 de outubro.

Paola Arlotta, bióloga molecular da Universidade de Harvard em Cambridge, Massachusetts, está animada com os resultados. “É um passo importante para permitir que os organoides nos digam propriedades mais complexas do cérebro”, diz ela, embora ache que o procedimento de transplante provavelmente ainda é muito caro e complexo para se tornar uma ferramenta de pesquisa padrão. O próximo passo, acrescenta Arlotta, será descobrir como os neurônios humanos individuais – não apenas organoides totalmente desenvolvidos – são integrados ao cérebro do rato.

Acionador de comportamento

Em seu relatório, publicado na Nature em 12 de outubro, os pesquisadores descrevem como eles projetaram geneticamente os neurônios nos organoides para disparar quando estimulados com luz de um cabo de fibra óptica embutido no cérebro dos ratos. A equipe treinou os ratos para lamber um bico para receber água enquanto a luz estava acesa. Depois, quando os pesquisadores iluminaram os cérebros híbridos, os ratos foram solicitados a lamber o bico, o que significa que as células humanas se integraram o suficiente para ajudar a orientar o comportamento dos animais. Além disso, quando os pesquisadores cutucaram os bigodes dos ratos, descobriram que as células humanas no córtex sensorial disparavam em resposta, sugerindo que as células eram capazes de captar informações sensoriais.

Neurônios humanos criados a partir de células-tronco e transplantados para um cérebro de rato (à direita) crescem mais do que aqueles cultivados em um prato (à esquerda).Crédito: Stanford University

Para demonstrar a promessa de seu trabalho no estudo de distúrbios cerebrais, Pasca e seus colegas também criaram organoides cerebrais a partir de células-tronco de três pessoas com uma condição genética chamada síndrome de Timothy, que pode causar sintomas semelhantes aos observados no autismo. As minúsculas estruturas pareciam iguais a qualquer outro organoide cerebral cultivado em um prato, mas quando os pesquisadores as transplantaram em ratos, elas não cresceram tanto quanto as outras e seus neurônios não dispararam da mesma maneira.

Rusty Gage, neurocientista do Salk Institute for Biological Studies em La Jolla, Califórnia, está feliz em ver esses resultados. Em 2018, ele e uma equipe de pesquisadores descobriram que organoides do cérebro humano transplantados poderiam ser integrados ao cérebro de camundongos adultos2. Os camundongos não vivem tanto quanto os ratos, e Pasca e seus colegas esperavam que, como os cérebros dos filhotes de ratos recém-nascidos são mais plásticos do que os dos animais adultos, eles seriam mais capazes de receber as novas células.

“Temos desafios para nós”, diz Gage. “Mas acredito que o procedimento de transplante será uma ferramenta valiosa.”

Alguns dos desafios são éticos. As pessoas estão preocupadas que a criação de híbridos roedores-humanos possa prejudicar os animais ou criar animais com cérebros semelhantes aos humanos. No ano passado, um painel organizado pelas Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos EUA divulgou um relatório concluindo que os organoides do cérebro humano ainda são muito primitivos para se tornarem conscientes, atingir inteligência semelhante à humana ou adquirir outras habilidades que podem exigir regulamentação legal. Pasca diz que os transplantes de organoides de sua equipe não causaram problemas como convulsões ou déficits de memória nos ratos e não pareceram alterar significativamente o comportamento dos animais.

Mas Arlotta, membro do painel das Academias Nacionais, diz que problemas podem surgir à medida que a ciência avança. “Não podemos discutir isso uma vez e deixar assim”, diz ela. Ela acrescenta que as preocupações com os organoides humanos precisam ser ponderadas em relação às necessidades das pessoas com distúrbios neurológicos e psiquiátricos. Organoides cerebrais e cérebros híbridos humano-animal podem revelar os mecanismos subjacentes a essas doenças e permitir que os pesquisadores testem terapias para condições como esquizofrenia e transtorno bipolar. “Acho que temos a responsabilidade como sociedade de fazer tudo o que pudermos”, diz Arlotta.


Publicado em 15/10/2022 15h30

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