O mais simples e mais bem-sucedido experimento da Apollo 11

Nasa

Um conjunto de espelhos, que continua em operação 50 anos depois, garantiu que a distância entre a Terra e a Lua fosse medida com precisão inédita

Quando Neil Armstrong deu um pequeno passo na superfície da Lua, há 50 anos, a conquista foi um triunfo para a tecnologia americana, dando aos EUA o direito de se gabar frente à rival União Soviética durante a amarga Guerra Fria. Mas a corrida espacial também criou uma corrida científica interna para determinar quais experimentos estariam a bordo da primeira missão que levaria humanos a outro mundo.

Um dos vencedores foi um dispositivo que permitiu que os cientistas medissem a distância entre o nosso planeta e seu satélite, com uma precisão sem precedentes ? um experimento que não apenas foi crucial para testar a relatividade geral e entender as oscilações sutis da Lua ao girar em seu próprio eixo, mas também foi espantosamente simples em comparação com a enorme complexidade da missão geral.

Em 1963, James Faller juntou-se ao Instituto Conjunto do Laboratório de Astrofísica (JILA), do Departamento Nacional de Padrões e da Universidade do Colorado, em Boulder. Como estudante de pós-graduação da Universidade de Princeton no final dos anos 1950, ele havia escrito um artigo chamado “Proposta de pacote lunar: um refletor de canto na Lua”, prevendo a instalação na Lua de um refletor leve e durável com apenas dois ou três quilos. Um feixe de luz da Terra seria direcionado ao refletor; o instrumento detectaria o laser e refletiria a luz de volta à Terra. O tempo que a luz demora para viajar da Terra para a Lua e vice-versa, ele escreveu, “permite fazer uma medição precisa da distância entre a Terra e a Lua”.

Ele entregou seu projeto de pesquisa para seu professor, Robert Henry Dicke, um físico que fez importantes contribuições para os campos da astrofísica, da física atômica e da gravidade. Quando entregou o artigo, Faller escreveu no topo: “Professor Dicke, você poderia ver se isso faz algum sentido?”

Menos de uma década depois, o mundo saberia o quão esperta era a proposta de Faller. Juntamente com colegas do JILA, Jan Hall e Peter Bender, ele estabeleceu uma equipe de exploração lunar para investigar a possibilidade de se colocar um retrorrefletor na Lua. Não havia garantia de que o experimento realmente iria no voo: outros grupos estavam desenvolvendo propostas concorrentes na esperança de serem selecionados para a viagem histórica da Apollo.

Mas a sorte ? assim como os rigorosos requisitos da NASA quanto a tamanho, peso, velocidade e simplicidade ? deu ao refletor uma vantagem. Funcionários da Nasa acreditavam que a Apollo 11 tinha um alto risco de ser abortada após o pouso, então qualquer experimento teria que ser instalado em 10 minutos. Faller lembra: “Os astronautas tinham tempo limitado para gastar na superfície lunar para posicionar o conjunto voltado para a Terra. Em outras palavras, fomos salvos pelo relógio”.

Um retrorrefletor de canto cúbico ? ou melhor, um conjunto deles ? ofereceu um design ideal. Um espelho simples e comum teria funcionado em teoria, mas sempre precisaria ser direcionado precisamente ao ponto em que a luz de entrada se originou, de modo que o feixe de luz seria refletido diretamente de volta para a fonte, a fim de ser cronometrado. No entanto, devido à rotação da Lua em seu próprio eixo e sua rotação ao redor da Terra, esse alinhamento perfeito ocorreria apenas em raras ocasiões ? e, mesmo assim, um pequeno erro na hora de apontar resultaria na luz retornando a um ponto diferente. Mas esses refletores seriam feitos de três espelhos, colocados precisamente em ângulos retos um com o outro, como o canto interno de uma caixa de papelão. Esse design força a luz a passar nas três superfícies, e as leis da ótica garantem que ela sempre retornará diretamente à fonte.

Não importa de qual ângulo um feixe de luz vem, um refletor de três cantos o reflete no mesmo ângulo. Foto: Chetvorno Wikimedia

Como o experimento de Faller estava prestes a receber o “OK” da Nasa, havia mais um passo crucial: encontrar alguém que fornecesse a série de espelhos refletores especializados para tornar possível o projeto. Uma vantagem para a empresa vencedora, a Heraeus, era que o quartzo fundido que fabricava era conhecido por ter a mais alta pureza, tornando-o resistente a qualquer ionização de radiação que faria o vidro normal escurecer durante o envelhecimento no espaço sideral. A alta pureza também minimizaria a absorção, bem como bolhas que criam pequenas lentes ou micro refletores que poderiam fazer com que a luz fosse refletida incorretamente.

O refletor tinha que atender aos rigorosos padrões de qualidade da Nasa. Tinha que atuar com perfeição. E a empresa teve que se comprometer, por escrito, que duraria um mínimo de 10 anos, submetido ao ambiente hostil do espaço.

Um último problema permanecia: era década de 1960, e a Heraeus era uma empresa alemã. A Segunda Guerra Mundial havia terminado apenas duas décadas antes. Isso afetaria o processo de seleção? Faller visitou pessoalmente as instalações da Heraeus em Hanau, na Alemanha, em 1968. Os executivos da empresa descobriram que as matrizes de sílica fundidas eram dirigidas a duas empresas: a Heraeus e a General Electric.

A equipe Heraus que criou o refletor de prisma triplo, que voou na Apollo 11. Crédito: Heraus

Hoje, Faller admite que nunca visitou a General Eletric. A Heraus teve sorte de a mensagem da NASA ser clara: o critério primordial deveria ser a qualidade, para garantir o sucesso do experimento.

E, no fim, o experimento foi um grande sucesso.

A sorte, ou a falta dela, foi um fator importante nos dias após o pouso. No Observatório Lick, da Universidade da Califórnia, Faller e sua equipe de cientistas e estudantes inicialmente enfrentaram dificuldades porque a Apollo 11 aterrissou a quilômetros de seu esperado local de pouso. A Lua também estava muito baixa no céu para permitir que o experimento começassem sem passar por uma boa quantidade da atmosfera da Terra.

Os testes foram retomados em 1 de agosto, quando a Lua estava posicionada mais favoravelmente no céu. Sob essas condições, o laser foi disparado 162 vezes antes que qualquer retorno da matriz lunar fosse detectado. A série final de 120 disparos de raio laser, após alguns ajustes, rendeu 80 retornos detectados.

Ao contrário do “grande salto” de Neil Armstrong, o progresso da equipe foi medido em saltos menores e mais modestos. Em 1º de agosto, Faller e a equipe, com uma precisão de 0,1 microssegundos, estabeleceram a distância até a Lua com uma precisão de oito metros, comparada com uma precisão de cerca de 1.200 metros medidos com radar no final dos anos 50.

Dois dias depois, eles melhoraram isso para seis metros. Eventualmente, a precisão foi reduzida para um único milímetro.

Os experimentos do Retrorefletor Lunar a Laser (que também foram montados pelos astronautas da Apollo 14 e 15) continuam sendo algumas das conquistas científicas mais importantes das missões Apollo, contribuindo para nossa compreensão de tudo, da relatividade geral à estrutura interna da lua. O primeiro refletor continua sendo o único equipamento ainda em operação no local de pouso da Apollo 11.

Mas, como Jim Faller recordou recentemente, os eventos do primeiro pouso lunar não foram apenas o resultado de tecnologia e ciência impressionantes, mas também de alguns momentos de boa sorte. “A ciência também contém a necessidade de sorte. E o programa Apollo na época precisava de um pouco dela. Tanto nosso trabalho quanto o programa Apollo tiveram sorte”, ele diz.


Publicado em 12/07/2021 09h21

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