Um ‘caroço’ de matéria escura pode estar rasgando o rosto de Touro

O aglomerado de estrelas Hyades, localizado na cabeça de Taurus, está sendo lentamente separado por um monstro invisível. (Crédito da imagem: ESA / Gaia / DPAC, CC BY-SA 3.0 IGO)

As estrelas estão se “dissolvendo” na cabeça do touro, dizem os pesquisadores.

O Hyades – um jovem aglomerado de estrelas em forma de V que sobrevoa a cabeça da constelação de Touro – está sendo lentamente dilacerado por uma massa enorme e invisível, sugere um novo estudo. Essa inquietação na cabeça do touro pode apontar para um antigo depósito de matéria escura que sobrou da criação da Via Láctea, disseram os autores do estudo.

No novo artigo, publicado em 24 de março na revista Astronomy and Astrophysics, os pesquisadores usaram dados do satélite de mapeamento estelar Gaia da Agência Espacial Européia (ESA) para investigar a história dos Hyades. Localizada a cerca de 150 anos-luz da Terra, esta família de várias centenas de estrelas é o aglomerado de estrelas mais próximo do nosso sistema solar e é claramente visível no céu noturno. (Uma de suas estrelas mais brilhantes, Epsilon Tauri, também é chamada de “olho de boi” por sua posição proeminente na face de Touro.)

Os astrônomos estimam que o aglomerado tem entre 600 milhões e 700 milhões de anos (uma criança cósmica em comparação com os 4,6 bilhões de anos do nosso Sol), e já mudou de forma significativamente naquela época, graças à influência gravitacional de outros aglomerados e objetos próximos. Os autores do novo estudo queriam aprender mais sobre essas mudanças estudando as “caudas” do aglomerado – dois aglomerados de estrelas estendidos separados da maior parte do corpo do aglomerado, um apontando para o centro da Via Láctea e o outro afastando-se de isto.

As caudas das marés, como os astrônomos as chamam, se formam naturalmente como resultado de interações gravitacionais entre grupos de estrelas. Para ver as caudas da forma mais nítida e espetacular, os cientistas procuram galáxias em fusão – como as galáxias antenas ondulantes – que gradualmente puxam as bordas umas das outras em tênues cordões de luz das estrelas.

Mas recentemente, os cientistas também observaram caudas de maré em aglomerados estelares. Conforme as estrelas dentro dos aglomerados ficam mais velhas e mais massivas, elas empurram suas vizinhas, eventualmente empurrando algumas estrelas em direção à borda do aglomerado. Lá, as estrelas se tornam mais suscetíveis à atração de objetos ainda mais massivos dentro da galáxia, deixando gradualmente a órbita do aglomerado e formando uma cauda de maré. A velocidade e trajetória dessas caudas podem até apontar para a presença de objetos que são invisíveis aos telescópios, disse a autora do estudo, Tereza Jerabkova, pesquisadora da ESA, ao Live Science.

“As estrelas [em caudas de maré] podem ser vistas se movendo mais rápido em alguma direção, e isso pode indicar que algo está lá que as está atraindo”, disse Jerabkova.

As caudas dianteira e traseira de um aglomerado tendem a conter o mesmo número aproximado de estrelas, mas quando Jerabkova e seus colegas mapearam as caudas do aglomerado Hyades, eles viram algo surpreendente: a cauda posterior tinha muito menos estrelas do que a cauda. Parecia que a cauda arrastada estava “se dissolvendo” no espaço, escreveram os pesquisadores.

Com simulações de computador, os pesquisadores tentaram descobrir o que poderia estar causando essa incompatibilidade. Eles concluíram que o aglomerado e sua cauda estavam sendo “interrompidos por uma massa massiva” de matéria com uma massa de 10 milhões de sóis, disse Jerabkova, semelhante a como uma grande galáxia pode interromper uma pequena com sua força gravitacional. Mas ainda mais intrigante, não havia nenhum “caroço” – ou qualquer objeto – visível nas proximidades do Hyades que pudesse explicar tal perturbação.

Uma possível explicação, disseram os pesquisadores, é a matéria escura – o material pesado e invisível que compõe cerca de 27% da massa total do universo, de acordo com a NASA. Os cientistas suspeitam que “halos” de matéria escura ajudaram a formar galáxias como a Via Láctea, e que vestígios (ou “sub-halos”) de matéria escura ainda existem espalhados por toda a galáxia. É possível que o “caroço” deformando o aglomerado de Hyades seja na verdade um sub-halo de matéria escura, dobrando invisivelmente as estrelas ao seu bel-prazer, disseram os pesquisadores.

De acordo com Jerabkova, essa é a melhor explicação para as caudas instáveis de Hyades, dados os dados atuais disponíveis e a compreensão da física. Essa é uma “descoberta importante”, acrescentou ela, pois prova que os dados de Gaia e missões de mapeamento estelar semelhantes podem revelar não apenas os segredos das estrelas e planetas que nos cercam – mas também das estruturas invisíveis que sustentam nosso universo.


Publicado em 30/03/2021 12h45

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