Sedimentos marinhos explicam como parte da região Nordeste do Brasil se tornou semi-árida

O fenômeno está ligado à contração gradual do cinturão de chuva tropical nos últimos 5 mil anos, segundo estudo realizado na Universidade de São Paulo. Suas descobertas podem ajudar a prever o futuro clima da região (coleta de amostras de sedimento marinho próximo à foz do rio Parnaíba). Crédito: Cristiano Chiessi

A precipitação associada à Zona de Convergência Intertropical (ITCZ), o cinturão de ventos alísios convergentes e ar ascendente que circunda a Terra perto do Equador, afeta a segurança alimentar e hídrica de aproximadamente 1 bilhão de pessoas em todo o mundo. Abrangem cerca de 11% da população brasileira, concentrada em quatro estados da região Nordeste – Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão. Grandes extensões desses estados têm clima semi-árido, e cerca da metade de todas as chuvas anuais ocorre em apenas dois meses (março e abril), quando o cinturão de chuvas tropicais atinge sua posição mais ao sul, sobre o norte do Nordeste. Durante o resto do ano, o cinturão de chuva tropical se desloca mais ao norte. Por exemplo, é responsável pelo pico de chuvas na região costeira da Venezuela em julho e agosto.

Projetar o comportamento futuro da precipitação em áreas semiáridas como essas é fundamental para que a sociedade seja capaz de antecipar possíveis mudanças nos padrões de chuvas devido às mudanças climáticas em curso. Um estudo de Cristiano Chiessi, professor da Universidade de São Paulo (USP) no Brasil, e colaboradores mostra que a precipitação no norte do Nordeste brasileiro diminuiu sistematicamente nos últimos 5 mil anos, contrariando um importante paradigma da paleoclimatologia. Essa visão revisada do que aconteceu no passado ajuda a produzir um cenário mais realista para o que pode acontecer no futuro.

Um artigo sobre o estudo foi publicado na Paleoceanography and Paleoclimatology. O estudo foi financiado pela FAPESP.

“De acordo com o paradigma vigente, o cinturão de chuva tropical migrou para o sul nos últimos 5.000 anos. Nossa pesquisa sugere, em vez disso, que sua faixa de oscilação latitudinal se contraiu, de modo que agora oscila dentro de uma faixa mais estreita”, disse Chiessi à Agência FAPESP.

Informações valiosas sobre as respostas do sistema climático a diferentes condições são registradas em sedimentos geológicos depositados no fundo do mar. O estudo envolve três indicadores independentes de precipitação provenientes de sedimentos coletados ao longo da foz do Parnaíba, na divisa Piauí-Maranhão.

“Analisamos a relação entre os níveis dos elementos químicos titânio e cálcio. O titânio vem da erosão das rochas continentais, enquanto o cálcio vem das conchas de organismos marinhos”, disse Chiessi. “Também estimamos a taxa de acumulação de sedimentos continentais no fundo do mar e a composição dos isótopos de hidrogênio na cera vegetal continental encontrada em sedimentos marinhos. Esses três conjuntos de dados, juntamente com nossa análise de resultados de modelos climáticos numéricos, apontaram para a contração do clima tropical cinturão de chuva nos últimos 5.000 anos, em vez da migração sugerida para o sul.”

O estudo também mostra que a distribuição da temperatura superficial nos dois hemisférios é um fator chave na posição do cinturão de chuva tropical, também em contraste com o paradigma vigente.

“De acordo com o paradigma, a migração para o sul do cinturão de chuva tropical deveu-se a um aumento gradual da radiação recebida do Sol pelo hemisfério sul durante o verão. O oposto ocorreu no hemisfério norte, dificultando cada vez mais a migração para o norte do cinturão de chuva tropical . No entanto, nossa atenção foi atraída para dois pontos fracos neste modelo “, disse Chiessi. “A primeira era a suposição de que a posição do cinturão de chuva era determinada pela distribuição da temperatura da superfície em ambos os hemisférios, que não respondem necessariamente de maneira linear à distribuição da radiação solar. Em segundo lugar, as evidências que sustentam o paradigma estavam localizadas quase exclusivamente em no hemisfério norte. Não havia provas da migração no hemisfério sul.”

Embora a radiação solar tenha sofrido as mudanças descritas, ele continuou, as respostas nos hemisférios foram diferentes devido à diferença na área dos continentes e oceanos em cada um (os continentes respondem mais rápido do que os oceanos às mudanças na radiação solar). “Portanto, é necessário revisar o paradigma que tem influenciado a paleoclimatologia por duas décadas”, disse ele.

Modelos climáticos numéricos sugerem que até o final deste século a amplitude de oscilação latitudinal do cinturão de chuva tropical se contrairá, reduzindo ainda mais as chuvas na porção norte do Nordeste do Brasil, com consequências sociais e ambientais potencialmente graves. No entanto, se a circulação de revolvimento meridional do Atlântico (AMOC) se tornar significativamente mais fraca, atingindo o ponto de inflexão previsto em outro estudo de Chiessi, o aquecimento do Atlântico Sul ultrapassará o do Atlântico Norte, forçando o cinturão de chuva para o sul. “Isso teria consequências negativas em várias partes do mundo. No Brasil, porém, impediria uma diminuição ainda maior das chuvas na porção norte do Nordeste”, disse.


Publicado em 25/06/2021 09h59

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