Investigação maciça de fraude tem como alvo importante pesquisador da saúde brasileiro

Sede da Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro. Promotores brasileiros alegam que Guilherme Franco Netto, proeminente cientista de saúde pública da fundação, esteve envolvido em um esquema de corrupção, mas negou as acusações. FERNANDO SOUZA / AGIF VIA AP

Guilherme Franco Netto, um importante cientista da saúde pública no Brasil, estava dormindo profundamente em seu apartamento no Rio de Janeiro quando sua filha o acordou no dia 6 de agosto. Ela parecia alarmada. Três policiais federais estavam na porta.

Logo, Franco Netto se viu atrás das grades, sob suspeita de ajudar em um esquema para fraudar o governo, manipulando a concessão de um contrato de financiamento para um projeto de pesquisa em saúde pública.

A notícia de sua prisão gerou indignação entre seus colegas. Eles coletaram milhares de assinaturas em uma petição exigindo sua libertação, convencidos de que sua prisão foi resultado de um mal-entendido, abuso de poder ou ambos. Depois que Franco Netto passou três dias sob custódia, um juiz do Supremo Tribunal Federal ordenou sua libertação. Ele agora aguarda julgamento por várias acusações de fraude.

Franco Netto, que trabalha na prestigiosa Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), nega veementemente as acusações. “Este processo judicial deixará claro que não fiz nada de errado”, diz ele. “Serei digno da confiança e da apreciação de todos.”

Muitos cientistas brasileiros esperam que Franco Netto esteja certo. Mas, quer ele seja provado culpado ou inocente, eles temem que o caso tenha mostrado que os tentáculos da corrupção que prendem muitos aspectos da vida brasileira também enredaram o meio de pesquisa.

As acusações contra Franco Netto têm suas origens em uma importante investigação de corrupção em andamento, chamada Operação Lava Jato, que começou em 2014. Ela revelou evidências de corrupção nos escalões mais altos de vários governos latino-americanos e resultou em processos bem-sucedidos de presidentes. ministros, legisladores e outras figuras proeminentes.

De acordo com documentos obtidos pelo ScienceInsider, um desdobramento dessa investigação, batizado de Operação Dardanários, encontrou evidências de um esquema de suborno arquitetado por Alexandre Baldy, atual secretário de Transportes do Estado de São Paulo; seu primo Rodrigo Dias; e os empresários Ricardo Brasil e Edson Giorno. Em 2014, os quatro homens conspiraram para dar a Baldy uma grande doação de campanha em troca de sua ajuda para garantir os pagamentos devidos ao Pró-Saúde, uma organização sem fins lucrativos que empregava o Brasil e a Giorno na época. Foi, escreveram os promotores, “um arranjo que uniu o interesse dos agentes públicos em receber subornos e o desejo de lucro dos empresários”.

De acordo com declarações de Brasil e Giorno, esse arranjo acabou gerando outros esquemas de propina, inclusive envolvendo Franco Netto e Fiocruz. Tudo começou em meados de 2016, dizem os promotores, depois que Baldy nomeou seu primo Dias como presidente da Fundação Nacional de Saúde do Brasil (Funasa). Dias propôs que a Funasa contratasse uma empresa fundada por Brasil e Giorno para fazer uma pesquisa por telefone sobre a percepção das pessoas sobre o comportamento do mosquito Aedes aegypti, que espalha os vírus causadores da dengue, chikungunya e zika.

Inicialmente, afirmam os promotores, Dias queria que a Funasa contratasse diretamente a empresa, a Vertude. Mas, por lei, deveria haver um intermediário: uma instituição de pesquisa ou ensino com uma reputação sólida. A Funasa escolheu a Fiocruz como intermediária, e o funcionário da Fiocruz que supervisionou o projeto de pesquisa foi Franco Netto.

Em novembro de 2017, Franco Netto traçou os termos do contrato e os encaminhou para a FIOTEC, fundação independente que dá suporte administrativo à Fiocruz. A FIOTEC então solicitou vários lances. Dias depois, nomeou a Vertude como vencedora do contrato, que valia cerca de 4 milhões de reais (US $ 1,2 milhão). A Vertude obteve cerca de 20% do total como lucro, segundo o Ministério Público. E alegam que a empresa em 2018 enviou a Baldy e Dias pagamentos em dinheiro, às vezes escondidos em caixas de presente de gravata, que totalizaram 900 mil reais e 250 mil reais, respectivamente. Baldy negou participar do esquema.

Em seu depoimento, Brasil alegou que Franco Netto ajudou a fraudar a licitação, mas Brasil disse não saber se o pesquisador recebeu dinheiro. (Os promotores não alegaram que Franco Netto recebeu propina.) O Brasil sugeriu apenas que Franco Netto participasse da fraude porque era uma “oportunidade para a Fiocruz receber recursos da Funasa … já que parte do dinheiro ficou com a Fiocruz”.

Franco Netto nega a acusação. “Rejeito com veemência a afirmação de Ricardo Brasil de que falsifiquei a licitação pela Vertude”, escreveu ele em nota divulgada por seu advogado, “é um denunciante … envolvido em outros crimes”, observa Franco Netto, “e para amenizar sua situação teve que revelar os fatos ao procurador da República. Só que no meu caso ele não está falando a verdade. … Para mim, era totalmente irrelevante qual empresa realizaria o serviço exigido pela Funasa.”

Dados os problemas de corrupção no Brasil, não é impensável que o esquema de propina existisse, diz Ivar Hartmann, professor de direito da Fundação Getulio Vargas, um think tank de ensino superior. Mas as acusações contra Franco Netto são “difíceis de acreditar”, diz ele, dado o que ele chama de “as provas muito fracas” coletadas pela Operação Dardanários. O registro sugere algo “obscuro”, diz Harmann. “Isso não é o mesmo que [Franco Netto] ter um papel corrupto.”

Agora, enquanto Franco Netto aguarda julgamento, ele está montando uma onda de apoio. Os apoiadores chamaram a atenção para sua reputação como um pesquisador de saúde pública de classe mundial, observando que ele ajudou a criar o sistema unificado de saúde do Brasil, que é um dos maiores do mundo. E eles destacaram seu papel na coordenação de respostas a vários desastres no ano passado, incluindo o colapso mortal de uma barragem de resíduos em uma mina e um grande derramamento de óleo.

Muitos de seus colegas estão observando o caso com ansiedade. “A justiça brasileira age corretamente na maioria das vezes, mas em algumas situações é arbitrária e vai além de seus deveres constitucionais”, diz Leo Heller, pesquisador de saúde ambiental da Fiocruz. “Nunca se sabe como essas [acusações] procedem e terminam no Brasil.”


Publicado em 04/09/2020 06h35

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