O modelo padrão da física de partículas pode ser quebrado

Uma série recente de medições precisas de partículas e processos padrão já conhecidos ameaçou abalar a física. – Imagem via Unsplash

Como físico que trabalha no Large Hadron Collider (LHC) do CERN, uma das perguntas mais frequentes que me fazem é “Quando você vai encontrar algo?” Resistindo à tentação de responder sarcasticamente “Além do bóson de Higgs, que ganhou o Prêmio Nobel, e uma enorme quantidade de novas partículas compostas?” Percebo que a razão pela qual a questão é colocada com tanta frequência se deve à forma como descrevemos o progresso da física de partículas para o mundo mais amplo.

Muitas vezes falamos sobre progresso em termos de descoberta de novas partículas, e isso é frequentemente verdade. Estudar uma partícula nova e muito pesada nos ajuda a ver os processos físicos subjacentes – geralmente sem ruídos de fundo irritantes. Isso torna mais fácil explicar o valor da descoberta ao público em geral e aos políticos.

Recentemente, no entanto, uma série de medições precisas de partículas e processos comuns já conhecidos e padronizados ameaçaram abalar a física. E com o LHC se preparando para funcionar com maior energia e intensidade do que nunca, é hora de começar a discutir amplamente as implicações.

O ímã de anel de armazenamento para o experimento Muon G-2 no Fermilab. Crédito: Reidar Hahn, Fermilab

Na verdade, a física de partículas sempre procedeu de duas maneiras, das quais as novas partículas são uma delas. A outra é fazer medições muito precisas que testam as previsões das teorias e procuram desvios do que se espera.

As primeiras evidências da teoria da relatividade geral de Einstein, por exemplo, vieram da descoberta de pequenos desvios nas posições aparentes das estrelas e do movimento de Mercúrio em sua órbita.

Três descobertas principais

As partículas obedecem a uma teoria contra-intuitiva, mas extremamente bem-sucedida, chamada mecânica quântica. Essa teoria mostra que partículas muito massivas para serem produzidas diretamente em uma colisão de laboratório ainda podem influenciar o que outras partículas fazem (através de algo chamado “flutuações quânticas”). público.

Mas resultados recentes que sugerem uma nova física inexplicável além do modelo padrão são desse segundo tipo. Estudos detalhados do experimento LHCb descobriram que uma partícula conhecida como quark beauty (quarks compõem os prótons e nêutrons no núcleo atômico) “decai” (se desfaz) em um elétron com muito mais frequência do que em um múon – o elétron mais pesado, mas de outra forma idêntico, irmão. De acordo com o modelo padrão, isso não deveria acontecer – sugerindo que novas partículas ou mesmo forças da natureza podem influenciar o processo.

O experimento LHCb no CERN. Crédito: CERN

Curiosamente, porém, medições de processos semelhantes envolvendo “quarks top” do experimento ATLAS no LHC mostram que esse decaimento acontece em taxas iguais para elétrons e múons.

Enquanto isso, o experimento Muon g-2 no Fermilab nos EUA fez recentemente estudos muito precisos de como os múons “oscilam” à medida que seu “spin” (uma propriedade quântica) interage com os campos magnéticos circundantes. Ele encontrou um pequeno, mas significativo desvio de algumas previsões teóricas – novamente sugerindo que forças ou partículas desconhecidas podem estar em ação.

O último resultado surpreendente é uma medição da massa de uma partícula fundamental chamada bóson W, que carrega a força nuclear fraca que governa o decaimento radioativo. Após muitos anos de coleta e análise de dados, o experimento, também no Fermilab, sugere que é significativamente mais pesado do que a teoria prevê – desviando-se de uma quantidade que não aconteceria por acaso em mais de um milhão de milhões de experimentos. Novamente, pode ser que partículas ainda não descobertas estejam aumentando sua massa.

Curiosamente, no entanto, isso também discorda de algumas medidas de baixa precisão do LHC (apresentadas neste estudo e neste).

O veredito

Embora não estejamos absolutamente certos de que esses efeitos exigem uma nova explicação, parece estar crescendo a evidência de que alguma nova física é necessária.

É claro que haverá quase tantos novos mecanismos propostos para explicar essas observações quanto há teóricos. Muitos vão olhar para várias formas de “supersimetria”. Esta é a ideia de que existem duas vezes mais partículas fundamentais no modelo padrão do que pensávamos, com cada partícula tendo um “super parceiro”. Estes podem envolver bósons de Higgs adicionais (associados ao campo que dá às partículas fundamentais sua massa).

Outros irão além disso, invocando ideias menos recentes da moda, como “technicolor”, o que implicaria que existem forças adicionais da natureza (além da gravidade, eletromagnetismo e as forças nucleares fraca e forte), e pode significar que o bóson de Higgs é de fato um objeto composto feito de outras partículas. Apenas experimentos revelarão a verdade do assunto – o que é uma boa notícia para os experimentalistas.

As equipes experimentais por trás das novas descobertas são todas respeitadas e trabalham nos problemas há muito tempo. Dito isto, não é desrespeito a eles notar que essas medições são extremamente difíceis de fazer. Além disso, as previsões do modelo padrão geralmente exigem cálculos onde as aproximações precisam ser feitas. Isso significa que diferentes teóricos podem prever massas e taxas de decaimento ligeiramente diferentes, dependendo das suposições e do nível de aproximação feito. Portanto, pode ser que, quando fizermos cálculos mais precisos, algumas das novas descobertas se encaixem no modelo padrão.

Da mesma forma, pode ser que os pesquisadores estejam usando interpretações sutilmente diferentes e, assim, encontrando resultados inconsistentes. A comparação de dois resultados experimentais requer uma verificação cuidadosa de que o mesmo nível de aproximação foi usado em ambos os casos.

Ambos são exemplos de fontes de “incerteza sistemática” e, embora todos os envolvidos façam o possível para quantificá-las, pode haver complicações imprevistas que as subestimam ou superestimam.

Nada disso torna os resultados atuais menos interessantes ou importantes. O que os resultados ilustram é que existem vários caminhos para uma compreensão mais profunda da nova física, e todos eles precisam ser explorados.

Com o reinício do LHC, ainda há perspectivas de que novas partículas sejam feitas através de processos mais raros ou encontradas escondidas em fundos que ainda não descobrimos.


Publicado em 18/05/2022 09h44

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