Entenda o que é a SOOT e como ela fará com que São Paulo tenha a chuva preta

Céu em São Paulo em 18 de agosto de 2019 com fumaça da Amazônia que se combinou com frente fria para trazer chuva preta com precipitação de soot na capital paulista | ANDRÉ LUCAS/DPA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

#Chuva 

Uma frente fria avança neste fim de semana e vai trazer chuva para quase todo o estado de São Paulo com precipitações mais generalizadas neste domingo.

Com a atmosfera tomada de material particulado de queimadas sem precedentes no estado paulista, a probabilidade é altíssima de chuva preta com precipitação de soot, ou fuligem.

O estado de São Paulo enfrenta uma onda de incêndios e queimadas sem precedentes desde que se iniciaram as medições por satélite pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais no final da década de 90. Os números do monitoramento não apenas mostram uma situação extremamente grave como um quadro de fogo absolutamente fora do normal e extraordinário. O estado de São Paulo registrou somente na sexta-feira 1886 focos de calor como efeito das queimadas. O número representa o dobro da média histórica de focos de calor por queimadas de agosto inteiro que é de 914.

O número de focos de calor em 48 horas, entre os dias 22 e 23, foi de 2316. Significa que em apenas dois dias o território paulista anotou 253% da média histórica mensal de queimadas de agosto, segundo os dados do Inpe.

Com o número de 1866 focos de calor da sexta-feira, São Paulo neste ano 49743 focos de calor. Com isso, mesmo com dados até 23 de agosto, já é o ano com maios focos de calor desde 2021, que teve no ano todo 5469 ano.

O número de focos de calor da sexta-feira de 1866 foi maior que o total de focos de calor do ano inteiro de 2023 (1666) e 2022 (1599).

Com a enorme quantidade de material particulado na atmosfera pelas queimadas, que deixou a qualidade do ar ruim a muito ruim ontem em várias cidades sob tempo seco e firme, a tendência é que em diversos pontos de São Paulo haja ocorrência de chuva preta com precipitação de soot, literalmente fuligem ou carbono.

Com isso, não será surpresa alguma que piscinas, baldes e outras superfícies fiquem com a água escura ou preta como consequência da precipitação de fuligem acompanhando a chuva preta que se prevê para a Grande São Paulo e o interior, repetindo o que ocorreu em 2019 com a fumaça da Amazônia.

O que é SOOT

Soot, ou fuligem, é um material particulado constituído principalmente de carbono, que se forma como resultado da combustão incompleta de materiais orgânicos, como combustíveis fósseis (carvão, petróleo) e biomassa (madeira, resíduos agrícolas).

Quando esses materiais não queimam completamente, em vez de se transformarem inteiramente em dióxido de carbono (CO”) e vapor de água, eles produzem partículas finas de carbono negro e outros compostos.

Essas partículas são extremamente pequenas, com diâmetros na escala de nanômetros a micrômetros, o que lhes permite permanecer suspensas no ar por longos períodos e viajar grandes distâncias.

A composição do soot varia de acordo com a fonte de combustão e o tipo de material queimado, mas geralmente é composto por carbono elementar, hidrocarbonetos, metais pesados e outros poluentes orgânicos.

SOOT e chuva preta:

Soot (fuligem) e a chuva preta estão intimamente relacionados, especialmente em áreas urbanas e industriais onde há grandes quantidades de poluição no ar. A chuva preta é um fenômeno que ocorre quando a fuligem e outras partículas contaminantes presentes na atmosfera se misturam com a umidade e precipitam sob a forma de chuva.

Esse tipo de chuva, de coloração escura, é indicativo de altos níveis de poluição, e geralmente é observada em locais próximos a áreas industriais, queimadas ou onde há intensa queima de combustíveis fósseis.

A presença de fuligem na chuva preta é preocupante, pois não só indica a má qualidade do ar, mas também traz implicações ambientais e de saúde significativas.

A chuva preta é um exemplo claro de como a poluição do ar pode afetar a precipitação e a qualidade da água. Quando as partículas de fuligem se misturam com a umidade nas nuvens, elas podem agir como núcleos de condensação, em torno dos quais as gotas de água se formam.

Isso resulta em uma chuva contaminada com poluentes, que ao cair no solo pode afetar corpos d”água, solos e vegetação. Em áreas onde a chuva preta é comum, a água da chuva pode se tornar inadequada para consumo humano e para irrigação, e pode prejudicar os ecossistemas aquáticos e terrestres.

A chuva preta tem impactos visíveis no ambiente urbano. Ela pode deixar uma camada de sujeira nas superfícies, como prédios, veículos e infraestrutura, o que pode levar à degradação dos materiais e aumentar os custos de manutenção. A relação entre fuligem e chuva preta é um indicador preocupante dos níveis de poluição atmosférica em muitas partes do mundo.

As consequências desse fenômeno afetam tanto a saúde humana quanto o meio ambiente, reforçando a necessidade urgente de reduzir as emissões de poluentes e melhorar a qualidade do ar.

Chuva preta e mudanças climáticas

No contexto das mudanças climáticas, a chuva preta é um fenômeno que destaca a necessidade de se abordar as emissões de poluentes como a fuligem.

Reduzir a emissão de partículas de carbono negro na atmosfera não apenas ajudaria a mitigar os efeitos do aquecimento global, mas também reduziria a incidência de chuva preta. Isso exige um esforço coordenado para controlar as fontes de poluição, como a queima de combustíveis fósseis, indústrias poluentes e queimadas.

Políticas ambientais rigorosas e o uso de tecnologias mais limpas são essenciais para combater esse problema. Estudos mostram que a presença de fuligem de queimadas na atmosfera pode interferir com a ocorrência de chuva, no degelo de glaciares e impactar o aquecimento do planeta, ou seja, contribuindo para as mudanças climáticas.

Uma equipe liderada por Newton de Magalhães Neto, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), modelou o possível efeito que a queima de biomassa na Bacia Amazônica poderia ter na geleira boliviana Zongo, usando dados coletados entre 2000 e 2016 sobre episódios de incêndio, movimentos de plumas de fumaça, precipitação e derretimento de geleiras.

Os pesquisadores descobriram que os aerossóis provenientes da queima de biomassa, como o carbono negro, podem ser transportados pelo vento para as geleiras andinas tropicais. Lá, se depositam na neve e têm potencial de aumentar o derretimento das geleiras, porque a neve é escurecida pelo carbono negro ou partículas de poeira e, assim, reflete menos luz (menor albedo). Um dos principais constituintes da fuligem, o carbono negro é o componente do material particulado que absorve energia solar.

A quantidade de energia armazenada na atmosfera é medida em watts por metro quadrado da superfície da Terra e estudo de 2013 estimou o efeito do carbono negro em 1,1 watts por metro quadrado por ano, perdendo apenas para o dióxido de carbono que é responsável por 1,56 watts por metro quadrado.

Em outras palavras, o carbono negro é o segundo maior contribuinte para as mudanças climáticas depois do CO2, apontou o estudo. Ao contrário do CO2, que pode permanecer na atmosfera por centenas a milhares de anos, o carbono negro por ser uma partícula permanece na atmosfera apenas por dias ou semanas antes de retornar à terra com chuva ou neve.

O carbono negro, como todas as partículas na atmosfera, também afeta a refletividade, estabilidade e duração das nuvens e altera a precipitação. Dependendo da quantidade de fuligem que está no ar e em qual camada da atmosfera o carbono negro se encontra, ele tem efeitos diferentes.

Se absorver calor no nível em que as nuvens estão se formando, elas tendem a evaporar. Quando fica acima das nuvens estratocúmulos inferiores que bloqueiam o sol, o carbono as estabiliza e, portanto, tem um efeito de resfriamento.

Como o carbono negro interage com outros componentes do material particulado, como sulfatos e nitratos que refletem a luz do sol e resfriam a atmosfera, os cientistas não sabem exatamente quanto o próprio carbono negro consegue influenciar o tempo, mas estudos brasileiros mostram que a fumaça interfere no processo de formação da chuva na Amazônia com efeito de redução.

Dentre os estudos sobre a fuligem das queimadas, um mostrou que a queima incompleta da madeira das árvores resulta na produção de carbono negro que chega às águas do Rio Amazonas nas formas de carvão e fuligem e acaba transportado para o Oceano Atlântico como carbono orgânico dissolvido.

Um grupo internacional de pesquisadores quantificou e caracterizou pela primeira vez o carbono negro que flui pelo Rio Amazonas em trabalho publicado na revista Nature Communications e que mostrou que a maior parte desse material transferido para o oceano é “jovem”, sugerindo que foi produzido por queimadas recentes na floresta.


Publicado em 25/08/2024 00h03

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