O mistério surreal dos ‘Círculos de Fadas’ da Namíbia pode finalmente ser resolvido

Círculos de fadas na Namíbia. (Stephan Getzin)

Espalhando-se por uma faixa remota do deserto do Namibe, as gramíneas escarpadas sobrevivem das escassas chuvas da região.

O crescimento de tanta grama em um ambiente tão hostil é impressionante, mas também misterioso. A pastagem é pontilhada por milhões de círculos estranhos, cada um desprovido de grama ou outra vegetação, que juntos formam um estranho padrão de bolinhas de “círculos de fadas” pela paisagem.

Localizada de 80 a 140 quilômetros (50 a 87 milhas) para o interior da costa da Namíbia, esta zona de lacunas circulares na pastagem é visível a quilômetros de distância, observam os autores do estudo, e exibe “um grau extraordinário de ordenação espacial”.

A Reserva Natural NamibRand, uma das regiões do círculo de fadas estudadas na Namíbia. (Stephan Getzin)

Um círculo de fadas típico mede de 2 a 10 metros de diâmetro, separado do resto por uma distância de até 10 metros.

Os cientistas fizeram progressos constantes na desmistificação dos círculos de fadas da Namíbia, com as principais teorias caindo em dois campos principais.

Uma teoria afirma que os círculos são causados por cupins que se alimentam de raízes, enquanto a outra sugere que as gramíneas se auto-organizam para maximizar a disponibilidade de água.

Estudos deram credibilidade a cada teoria, e algumas pesquisas indicaram que tanto os cupins quanto a auto-organização podem estar por trás dos círculos das fadas. Mas essa explicação se tornou mais complicada depois que círculos semelhantes foram relatados na Austrália em 2016, sem uma ligação clara com os cupins.

Pesquisas recentes apontaram com mais firmeza para a auto-organização, em que as gramíneas formam círculos de fadas para aproveitar ao máximo as escassas chuvas, mas sem necessariamente descartar os cupins.

Em 2020, a pesquisa liderada por Stephan Getzin, do Departamento de Modelagem de Ecossistemas da Universidade de Goettingen, na Alemanha, acrescentou mais suporte ao cenário de escassez de água, que Getzin e seus colegas descreveram como um exemplo de padrão de Turing.

Em seu último estudo, Getzin e uma equipe de pesquisadores retornaram à Namíbia na esperança de encontrar evidências ainda mais convincentes, investigando círculos de fadas em 10 regiões do deserto do Namibe.

A precipitação é rara e irregular nesta área. As gramíneas às vezes aparecem dentro dos círculos de fadas logo após a chuva, mas geralmente morrem logo depois, observam os pesquisadores, enquanto a grama entre os círculos sobrevive.

Getzin e seus colegas rastrearam chuvas esporádicas nas 10 regiões, examinando as gramíneas, suas raízes e brotos, e qualquer dano potencial causado por cupins.

Eles estudaram as circunstâncias em torno da grama morta após a chuva e configuraram sensores de umidade do solo dentro e ao redor dos círculos de fadas para registrar dados em intervalos de meia hora, começando na estação seca de 2020 e continuando até o final da estação chuvosa de 2022.

Dez dias após a chuva, o interior dos círculos de fadas tinha muito pouco crescimento novo, descobriu o estudo, e a grama nova que brotou já estava morrendo. Vinte dias após a chuva, qualquer grama dentro dos círculos estava morta, enquanto a grama ao redor estava “verde e macia”.

Raízes de grama morta dentro dos círculos eram tão longas – ou até mais longas que – raízes de fora dos círculos, sugerindo que as plantas estavam investindo pesadamente no crescimento das raízes para procurar água. Os pesquisadores não encontraram evidências de cupins se alimentando das raízes, eles relatam.

“A súbita ausência de grama na maioria das áreas dentro dos círculos não pode ser explicada pela atividade dos cupins porque não havia biomassa para esses insetos se alimentarem”, diz Getzin. “Mas, mais importante, podemos mostrar que os cupins não são responsáveis porque as gramíneas morrem imediatamente após a chuva sem nenhum sinal de criaturas se alimentando da raiz”.

Os sensores do solo revelaram um lento declínio na umidade do solo dentro e fora dos círculos após uma chuva inicial, relatam os pesquisadores, quando as gramíneas ainda não estavam bem estabelecidas.

Uma vez que as gramíneas ao redor ficaram robustas, no entanto, a umidade do solo desapareceu rapidamente em todos os lugares – inclusive dentro dos círculos de fadas, apesar da falta de grama lá para absorver a água.

“Sob o forte calor do Namibe, as gramíneas estão permanentemente transpirando e perdendo água. Assim, elas criam vácuos de umidade do solo em torno de suas raízes e a água é atraída para elas”, diz Getzin.

“Nossos resultados concordam fortemente com os de pesquisadores que mostraram que a água no solo se difunde rápida e horizontalmente nessas areias, mesmo em distâncias superiores a sete metros”.

Este é um exemplo incrível de “feedback eco-hidrológico”, escrevem os pesquisadores, no qual os círculos estéreis se tornam reservatórios que ajudam a sustentar as gramíneas nas bordas.

Essa pesquisa também pode ter implicações em outros lugares, aponta Getzin, já que esse tipo de auto-organização parece proteger as plantas contra o aumento da aridez – um problema que já está piorando em alguns lugares devido às mudanças climáticas.

“Ao formar paisagens fortemente padronizadas de círculos de fadas uniformemente espaçados, as gramíneas atuam como engenheiros do ecossistema e se beneficiam diretamente dos recursos hídricos fornecidos pelas lacunas de vegetação”, diz Getzin.

“Na verdade, conhecemos estruturas de vegetação auto-organizadas relacionadas de várias outras terras áridas do mundo e, em todos esses casos, as plantas não têm outra chance de sobreviver, exceto crescendo exatamente nessas formações geométricas”.


Publicado em 02/11/2022 11h56

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