Cientistas implantam bactérias em fungos, sugerindo antigas relações que ajudaram na evolução celular

Uma célula vegetal contendo cloroplastos (verde escuro) – organelas especializadas que os cientistas acreditam que evoluíram de endosimbiontes. Crédito: Dr. David Furness, Keele University/SPL

doi.org/10.1038/s41586-024-08010-x
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#Bactérias 

Biólogos criaram um sistema simbiótico que pode explicar como estruturas como mitocôndrias e cloroplastos surgiram há cerca de um bilhão de anos.

Usando uma pequena agulha oca e uma bomba de ar de bicicleta, cientistas conseguiram implantar bactérias em células maiores, criando uma relação que pode ter sido essencial para a evolução da vida complexa.

Essa descoberta, publicada em 2 de outubro na revista *Nature*, pode ajudar a entender a origem de relações simbióticas como as que deram origem às mitocôndrias (que produzem energia nas células) e aos cloroplastos (que realizam a fotossíntese nas plantas). Essas organelas surgiram mais de um bilhão de anos atrás, quando células primitivas engoliram bactérias que passaram a viver dentro delas.

Relações endossimbióticas, onde um microrganismo vive dentro das células de outro organismo, são comuns em diversos seres vivos, como insetos e fungos. Os cientistas acreditam que as mitocôndrias evoluíram quando uma bactéria se instalou dentro de uma célula ancestral, e os cloroplastos surgiram de forma similar em plantas primitivas.

Como essas relações ocorreram há tanto tempo, é difícil estudar diretamente os fatores que levaram à sua formação e manutenção. Para tentar entender melhor esses processos, uma equipe liderada pela microbiologista Julia Vorholt, do Instituto Federal Suíço de Tecnologia (ETH Zurich), desenvolveu um método para criar essas relações simbióticas em laboratório. Usando uma agulha de 500 a 1.000 nanômetros de largura, eles conseguem perfurar células hospedeiras e introduzir bactérias individualmente.

Pesquisadores implantaram bactérias em fungos Rhizopus – vistos aqui sob um microscópio. Crédito: SRMY/Shutterstock

Desenvolvendo a simbiose

Mesmo com essa tecnologia avançada, os primeiros experimentos falharam, já que as bactérias se multiplicavam rapidamente e acabavam matando a célula hospedeira. O sucesso veio quando os pesquisadores recriaram uma simbiose natural entre o fungo Rhizopus microsporus e a bactéria Mycetohabitans rhizoxinica, que produz uma toxina que protege o fungo de predadores.

Implantar bactérias em fungos foi um grande desafio, já que as paredes celulares dos fungos são espessas e mantêm alta pressão interna. Para superar isso, os cientistas usaram uma agulha para perfurar a parede celular e, com uma bomba de bicicleta e depois um compressor de ar, conseguiram injetar as bactérias.

Após se recuperarem da “cirurgia”, os fungos continuaram seus ciclos de vida e produziram esporos, alguns dos quais continham as bactérias. Quando esses esporos germinaram, as bactérias estavam presentes nas células da nova geração de fungos, mostrando que essa nova simbiose podia ser transmitida para os descendentes.

Bactérias desaparecendo

No entanto, o sucesso de germinação dos esporos contendo bactérias foi baixo. Em uma população mista de esporos (alguns com e outros sem bactérias), aqueles com bactérias desapareceram após duas gerações. Para melhorar essa relação, os pesquisadores usaram um separador de células fluorescentes para selecionar esporos que continham bactérias (marcadas com uma proteína fluorescente) e propagaram apenas esses esporos nas gerações seguintes. Após dez gerações, os esporos com bactérias germinavam quase tão bem quanto os sem bactérias.

O motivo dessa adaptação ainda não é claro. O sequenciamento genético revelou algumas mutações associadas à melhoria na germinação dos fungos, mas não foram encontradas mudanças nas bactérias.

Imunidade do fungo:

Os cientistas ainda sabem pouco sobre a genética do fungo R. microsporus, mas suspeitam que um sistema imunológico do fungo possa estar dificultando a simbiose. Mutações nesse sistema poderiam estar facilitando a relação simbiótica. Eva Nowack, microbiologista da Universidade Heinrich Heine, na Alemanha, ficou surpresa com a rapidez das adaptações à vida simbiótica e gostaria de ver o que aconteceria após ainda mais gerações, como mais de 1.000.

Essa pesquisa pode abrir portas para a criação de organismos com características úteis, como a capacidade de consumir dióxido de carbono ou nitrogênio da atmosfera, segundo Vorholt. “A ideia é trazer novas características que o organismo não teria naturalmente e que seriam difíceis de implementar de outra maneira”, afirma ela.


Publicado em 09/10/2024 23h11

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