Arqueólogos encontram indícios de 2.000 anos sobre mudanças no nível do mar destruindo sociedades

Um sambaqui no Brasil. (Mccampestrini / Creative Commons 3.0)

Os arqueólogos relacionaram o aumento e a redução do nível do mar no Oceano Atlântico aos fluxos e refluxos de civilizações antigas no sul do Brasil.

As descobertas, que incorporam várias linhas de evidências arqueológicas anteriores, sugerem que mesmo comunidades costeiras grandes, resilientes e cooperativas podem facilmente desaparecer com a maré.

Ao analisar e datar uma série de ‘montanhas’ de conchas pré-históricas, conhecidas como sambaquis na língua local, os pesquisadores notaram algumas mudanças significativas no sudoeste do Brasil há cerca de 2.500 anos.

Nessa época, o tamanho e a frequência dos sítios de sambaqui começaram repentinamente a diminuir, possivelmente indicando a dissolução do que foram, por milênios, populações densa e estável comedores de moluscos.

Outras pesquisas na área também identificaram uma rápida redução nos sambaquis nessa época, mas alguns pesquisadores acreditam que essas mudanças ocorreram principalmente com o surgimento de cerâmicas e plantações. O uso dessa nova tecnologia fez com que as populações não precisassem depender tanto de peixes ou moluscos, levando a uma redução nas pilhas de conchas.

No entanto, o novo estudo descobriu que o declínio de sambaquis começou antes da introdução da cerâmica. Então, por que as práticas do sambaqui foram abandonadas?

A resposta pode ter a ver com uma maré extrema e recuando. Ao reavaliar os restos mortais de humanos e animais da Baía da Babitonga – lar da maior concentração de sambaquis do Brasil – os pesquisadores propuseram um novo cronograma.

Baía da Babitonga – na região de Joinville e Sao Francisco do Sul em SC

De acordo com mais de 400 datas de radiocarbono, a disseminação da cerâmica em Babitonga provavelmente começou há cerca de 1.200 anos.

O declínio das atividades do sambaqui, por outro lado, começou muito antes, há cerca de 2.500 anos, antes de levar a um “abandono dramático” há cerca de 2.200 anos.

Nesta época, conhecido como Holoceno Tardio, os dados polínicos, sedimentares e geoquímicos da baía mostram mudanças significativas nos ecossistemas costeiros e marinhos.

As frentes frias no sul do Brasil estavam se tornando mais comuns e, à medida que mais água começava a congelar, o nível do mar também estava recuando.

Há mil anos, o nível do mar no sul do Brasil havia caído 1,6 metros de seu pico, cerca de 7.000 anos atrás.

Isso levou a um número significativamente maior de terras áridas e sistemas de mangue, o que provavelmente impactou a disponibilidade de moluscos subtidais, áreas de pesca e plantas comestíveis. Populações pré-históricas que antes dependiam tanto desses alimentos tiveram de competir repentinamente por recursos cada vez menores.

“Este evento possivelmente representa uma virada na natureza baseada na comunidade e no agrupamento de recursos de grandes locais cerimoniais, que se tornariam insustentáveis na maioria das áreas”, sugerem os autores do artigo.

“Como resultado, vários grupos nucleados teriam se dissolvido em unidades sociais menores, dispersas e relativamente independentes, organizadas em assentamentos residenciais e logísticos de curta duração que são notoriamente menos visíveis do ponto de vista arqueológico.”

A ruptura desse tecido social é ainda sustentada por um número crescente de sítios arqueológicos pequenos e rasos de cerca de 2.000 anos atrás.

Esses locais mais recentes também têm maior probabilidade de conter anzóis com isca para a captura de peixes em águas mais profundas e cerâmica para manter os alimentos por mais tempo.

Reunindo todas essas linhas de evidência, os autores sugerem que houve vários impulsionadores culturais que exacerbaram as mudanças sociais no sul do Brasil há milhares de anos, mas que o gatilho inicial provavelmente foi a mudança climática.

O declínio da ingestão de moluscos devido ao recuo da maré poderia ter criado o ambiente perfeito para a introdução de cerâmica e anzóis com isca.

Essas descobertas fornecem às sociedades de hoje uma lição importante: somos tão sólidos quanto a terra em que dependemos e, em breve, muito desse terreno poderá ser perdido.

A mudança climática antropogênica deve elevar o nível do mar em cerca de 0,3 metros (12 polegadas) até o final do século, em comparação com o início do século. Praticamente, isso significa que cerca de metade das praias arenosas do nosso planeta podem deslizar sob as ondas.

Quando mais de um terço da população global atual depende fortemente dos recursos oceânicos, costeiros e marinhos, as consequências para muitas comunidades podem ser catastróficas.


Publicado em 19/12/2021 16h23

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