Impressionantes novas descobertas arqueológicas reescrevem a antiga história brasileira

Uma das unidades funerárias encontradas pela equipe do MAE-USP em 2005; o material já foi reanalisado com técnicas inéditas. Uma das unidades funerárias encontradas pela equipe do MAE-USP em 2005; o material agora foi reanalisado usando novas técnicas. Crédito: Paulo DeBlasis

doi.org/10.1371/journal.pone.0300684
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#Civilizações 

Pesquisas em sítio arqueológico próximo a Laguna desafiam a hipótese de que os ancestrais dos Jê do Sul deslocaram as comunidades que construíram sambaquis ao longo do litoral catarinense há mais de 5 mil anos.

Pesquisadores brasileiros revisaram a história dos antigos construtores de sambaqui em Santa Catarina, mostrando que eles não foram substituídos pelos ancestrais Jê do Sul, ao contrário de crenças anteriores, e lançando uma nova luz sobre sua cultura e interações.

Um capítulo significativo da história da colonização humana ao longo da costa brasileira está sendo revisado por pesquisadores do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), com apoio da FAPESP.

Em artigo publicado na revista PLOS ONE, o grupo, que inclui também pesquisadores de Santa Catarina, Sul do Brasil e de outros países (Estados Unidos, Bélgica e França), mostra que os construtores de sambaquis da Galheta IV, um sítio arqueológico de Laguna (Santa Catarina), não foram substituídos pelos ancestrais dos Jê Meridionais, como se pensava.

Como explica o artigo, os sambaquis são monturos que constituem “evidência de ocupação de longa duração”.

São constituídos por montículos com camadas de restos de mariscos, ossos humanos e de animais, restos de plantas e lares, utensílios de pedra ou osso e outros resíduos.

Eram usados para sepultamento e abrigo, e para demarcação de território.

“Havia muito menos interação do que se pensava entre esses monturos [sambaquieiros] e as populações proto-Jê, como as chamamos.

Suas práticas funerárias e cerâmica eram diferentes.

Além disso, os sambaquieiros moravam lá desde o nascimento e eram descendentes de pessoas que moraram no mesmo lugar”, diz André Strauss, professor do MAE-USP e penúltimo autor do artigo.

Reavaliando as Transições Culturais

A teoria de que um grupo étnico substituiu o outro surgiu em parte porque locais como a Galheta IV marcam o fim da construção do sambaqui.

Os cacos encontrados nas camadas mais recentes dos montículos desses locais lembram a cerâmica dos ancestrais dos grupos indígenas Jê do Sul Kaingang e Laklãnõ-Xokleng.

Esta é mais uma razão para a antiga crença, agora refutada, de que os construtores de sambaquis que viviam no litoral foram substituídos por pessoas do planalto catarinense.

“Não sabemos por que a construção do sambaqui parou.

As possíveis explicações incluem o contato com outras culturas e fatores ambientais, como a alteração do nível do mar e da salinidade, que podem ter levado a uma quebra na oferta de marisco e, consequentemente, de matéria-prima para os sambaquis”, afirma Jéssica Mendes Cardoso, primeira autora do estudo.

O estudo foi realizado enquanto ela pesquisava para sua tese de doutorado no MAE-USP e na Universidade de Toulouse, na França.

Cardoso reanalisou material coletado por outra equipe do MAE-USP e do Grupo de Pesquisa em Educação Patrimonial e Arqueologia (GRUPEP) da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) entre 2005 e 2007, quando foram exumados os esqueletos de quatro indivíduos.

Ao fazê-lo, quantificou os isótopos de estrôncio, carbono e nitrogênio, determinando que peixes e outros frutos do mar representavam 60% da dieta do grupo em questão.

A análise dos ossos também mostrou que os indivíduos não foram enterrados após a cremação, prática funerária utilizada pelas populações proto-Jê do Sul.

Ela também analisou restos faunísticos (partes de animais no registro material), principalmente de peixes, comuns nos sambaquis.

Ao contrário de outros locais, este também continha ossos de aves marinhas, como albatrozes e pinguins, e ossos de mamíferos, como uma foca.

“Esses animais não faziam parte de sua dieta diária, mas eram consumidos sazonalmente durante a migração ou poderiam ter sido mantidos no local.

Provavelmente faziam parte de seus ritos fúnebres, já que ninguém morava neste lugar.

O local era um cemitério”, diz Cardoso.

Havia 12 albatrozes em uma unidade funerária, por exemplo.

Novas datações encontraram o local mais antigo do que se pensava, estimando que tenha sido construído e frequentado entre 1.300 e 500 anos atrás.

A estimativa anterior era de 1.170 a 900 anos atrás.

Pedra de Roseta

A análise da cerâmica encontrada no sítio arqueológico também sugere que o proto-Jê pode ter sido apenas uma influência cultural adotada pelos construtores de sambaqui.

Dos 190 fragmentos de cerâmica ali escavados, 131 eram grandes o suficiente para serem examinados e analisados.

“A cerâmica é muito diferente daquela encontrada no planalto catarinense, no formato e na decoração, mas semelhante à encontrada em outros locais do litoral, tanto no norte quanto no sul do estado, mostrando que esses objetos podem muito bem ter foram transportados de um local costeiro para outro.

São os vestígios de cerâmica mais antigos encontrados no estado, datados de 1,3 mil anos atrás, enquanto a cerâmica encontrada na serra tem cerca de mil anos”, diz Fabiana Merencio, segunda autora do artigo.

Durante o estudo, foi doutoranda no MAE-USP com bolsa da FAPESP.

Atualmente é pós-doutoranda na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

“Revelamos uma nova expressão da materialidade humana no litoral, há cerca de mil anos, na forma de substituição por sambaquis de sítios sem conchas de moluscos, mas com cerâmica.

Este site é uma Pedra de Roseta que nos ajuda a compreender essas conexões”, diz Strauss.

Um novo grupo de pesquisa retornará agora à área para estudar outro sítio (Jabuticabeira II) em um novo projeto apoiado pela FAPESP e liderado por Ximena Villagran, professora do MAE-USP.


Publicado em 27/06/2024 00h15

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