Você acha que a órbita da Terra tem a forma de uma elipse alongada, como a que está na Figura 1, que você pode ter “aprendido” e que aparece em muitos livros escolares? Se acha, cuidado! Essa crença indica que você caiu em um mito que vem enganando mais pessoas do que os boatos da internet há décadas.
É surpreendente como as pessoas podem ter tanta certeza de que a órbita da Terra é ovalada. Percebo isso durante minhas palestras, quando menciono que, na verdade, é mais preciso representar a trajetória anual da Terra ao redor do Sol como um círculo perfeito, desenhado com um compasso. Algumas pessoas rejeitam essa ideia porque não corresponde ao padrão educacional não oficial de “se sempre foi mostrado assim, deve estar certo”. Afinal, a Terra deveria ter uma órbita visivelmente oval, já que vemos isso em tantas publicações, inclusive nas escritas por especialistas. Por isso, é difícil acreditar que alguém sem credenciais acadêmicas ou prêmios possa mudar algo tão bem estabelecido.
Infelizmente, algumas pessoas pensam assim porque a “verdade” para muitos é definida pela repetição incessante de erros de poucos, especialmente se houver interesses envolvidos. Quando se trata da órbita da Terra, parece que estamos diante de um caso de “propagação exponencial de fotocópias”. Alguém inventa um equívoco e escreve um livro; muitas pessoas leem e acreditam. Alguns desses leitores escrevem novos livros, que alcançam ainda mais pessoas, especialmente nas salas de aula, em um processo semelhante a uma reação em cadeia em uma bomba atômica, que causa danos duradouros. Com o tempo, o erro se torna uma verdade absoluta e inquestionável, e qualquer tentativa de corrigi-lo é vista como quase um sacrilégio. Quase todo mundo começa a acreditar na mentira. Poucos se preocupam em verificar os fatos, seja teoricamente ou na prática.
Houve um incidente curioso durante a Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA). Uma das questões pedia aos participantes para identificar a órbita da Terra entre vários desenhos de elipses. Quase 100% dos estudantes erraram, escolhendo as elipses mais alongadas. Isso levou a muitas reclamações de alunos e professores, pedindo a anulação da questão. Veja o que acontece quando questionamos essas chamadas “verdades absolutas”.
Claro que não podemos culpar os professores, pois os erros vêm de fontes que poucos suspeitariam – os livros didáticos. Por isso, achei importante incluir essa questão na OBA, como um alerta para quem ainda se importa com a educação. Não é hora de começar a usar livros melhores nas nossas escolas? Não deveríamos incentivar interações mais frequentes entre alunos e especialistas, seja pessoalmente ou pela internet? Não seria benéfico se as escolas convidassem profissionais de várias áreas para capacitar seus professores com atividades práticas agradáveis? Por que não tentar mudar o modelo escolar atual, se ele apresenta sérios problemas”
A órbita da Terra é praticamente um círculo (Figura 4), mas poucos sabem disso. Vou dar uma prova simples. Você já notou o tamanho aparente do Sol através de um telescópio equipado para observações solares? Eu já. O tamanho do Sol quase não muda ao longo do ano. Isso também pode ser observado usando um filtro de máscara de soldador nº 14 ou a olho nu, quando as nuvens bloqueiam a maior parte da luz solar prejudicial. O que se vê é um disco luminoso com diâmetro praticamente constante. Em termos numéricos, a distância da Terra ao Sol varia de 147,1 a 152,1 milhões de quilômetros, o que significa que em janeiro, quando a Terra está mais próxima do Sol, o diâmetro aparente do Sol é cerca de 3,4% maior do que em julho (Figura 3), quando a Terra está mais distante. Isso não é uma diferença significativa. No entanto, se a órbita da Terra fosse tão alongada quanto a elipse da Figura 1, que é menos achatada do que muitas que vemos em livros, a Terra estaria cinco vezes mais perto do Sol em janeiro do que em julho, resultando em um aumento de 400% no diâmetro aparente do Sol (Figura 2). Como a intensidade da luz varia com o quadrado da distância, isso significaria que receberíamos 25 vezes mais luz e calor em janeiro do que em julho – uma receita garantida para o desastre.
Alguém pode argumentar que em julho faz mais frio do que em janeiro. Isso acontece por causa das estações do ano, que não têm nada a ver com a distância da Terra ao Sol. A variação real de brilho e calor do Sol devido à distância é muito menos significativa do que a causada pelas mudanças sazonais. Mesmo se a órbita da Terra fosse um círculo perfeito com o Sol no centro, as estações ainda ocorreriam do mesmo jeito. Além disso, espero que alguém tenha notado que, no Hemisfério Norte, o verão começa em junho, quando a Terra está mais longe do Sol, e o inverno começa em dezembro, quando está mais perto, mostrando que o calor e o frio das estações não se devem à mudança periódica da nossa distância ao Sol. Mas as estações do ano são outro conceito que merece ser tratado com carinho em outra oportunidade.
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Quando compartilho esses fatos com professores, que contradizem os livros didáticos, as reações que vejo geralmente são de puro terror. É como se eu tivesse removido o chão da sala de aula e o substituído por areia movediça. A insegurança aparece de forma muito evidente. Como poucos conseguem lidar com isso, a resposta natural é bloquear tudo por instinto de preservação. Às vezes, há até extrema raiva direcionada a mim por ser o portador das más notícias. É quase como aqueles casos históricos em que os mensageiros eram mortos por trazerem mensagens desagradáveis. Em outras palavras, às vezes sou visto como uma ameaça ao sistema e recebo reações emocionais negativas que deveriam ser direcionadas aos verdadeiros culpados pela situação.
Se você se sentiu desconfortável ou em dúvida ao ler sobre os erros dos livros didáticos, garanto que se sentirá melhor se enfrentar o problema de frente. Ele não parecerá tão desafiador se for abordado por partes. Para começar, se você pensava que o verão e o inverno ocorriam por causa da distância da Terra ao Sol, apague essa ideia e deixe para entender depois. Se não sabia que as estações são opostas nos dois hemisférios, memorize isso por enquanto e concentre-se agora em entender a chamada “órbita achatada” do imaginário popular.
Se a órbita da Terra for desenhada em escala em uma folha de papel tamanho A3, como já fiz antes, a diferença entre os dois eixos da elipse não passará de uma fração microscópica de milímetro. Ainda assim, mesmo nesse modelo em escala, é claro que o Sol não está exatamente no centro, mas um pouco deslocado, já que fica em um dos focos da elipse. Na realidade, a distância do centro do Sol ao centro da órbita é de cerca de 2,5 milhões de quilômetros. Isso pode parecer muito, mas o diâmetro do Sol é próximo de 1,4 milhão de quilômetros, mais da metade dessa distância.
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Para tornar as coisas mais palpáveis, imagine um modelo da órbita da Terra em uma escala dez bilhões de vezes menor, para que você possa desenhá-lo no chão de uma praça plana e nivelada. Comece marcando o eixo maior com 29,9196 metros. Em seguida, desenhe o eixo menor com 29,9154 metros (inacreditável, não é”). Esses dois eixos devem ser perpendiculares e ter seus centros coincidindo com o centro da órbita. Marque agora os dois focos sobre o eixo maior, a 24,96 centímetros para cada lado do centro. Fixe um prego em cada foco, amarre a ponta de uma linha em um dos pregos, estique-a até uma das extremidades do eixo menor e volte ao outro prego. Amarre essa nova ponta e corte a linha restante. O comprimento útil da linha será igual ao do eixo maior. Mantenha a linha esticada, prenda um lápis na linha e trace a elipse no chão da praça. Ao terminar, desenhe o Sol em um dos focos, com 13,93 centímetros de diâmetro. Você também pode desenhar a Terra em qualquer ponto da órbita, com quase 1,3 milímetro de diâmetro.
Esse é um ótimo modo de perceber que o suposto achatamento da órbita terrestre praticamente não existe, de tão insignificante que é. Se ainda tiver dúvidas, estique uma nova linha do centro do modelo até a extremidade do eixo maior e trace uma circunferência para compará-la com a elipse. As duas curvas praticamente coincidirão.
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Roberto F. Silvestre
18 de agosto de 2003
Publicado em 16/10/2024 19h43
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