Fósseis humanos mais antigos da Europa descobertos: restos de 1,3 milhão de anos desafiam teorias de migração anteriores

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doi.org/10.1016/j.earscirev.2024.104855
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#Hominídeo 

A região de Orce, na Espanha, abriga os restos humanos mais antigos da Europa, datados de 1,3 milhão de anos atrás, indicando migração pelo Estreito de Gibraltar.

Pesquisadores podem ter resolvido uma das questões mais amplamente debatidas sobre a evolução e expansão humana

quando e por qual rota os primeiros hominídeos chegaram à Europa vindos da África? Técnicas de datação geológica nos sítios de Orce (bacia de Baza, Granada, Espanha) determinaram que restos humanos encontrados nesta região são os mais antigos da Europa, datando de 1,3 milhão de anos. Isso apoia a hipótese de que os humanos entraram na Europa pelo Estreito de Gibraltar, em vez de retornar ao Mediterrâneo pela rota asiática.

O estudo, liderado por Luis Gibert, pesquisador e professor da Faculdade de Ciências da Terra da Universidade de Barcelona, “”foi conduzido em colaboração com pesquisadores do Berkeley Geochronology Centre e da Murray State University.

Esta nova datação seria adicionada a outras evidências que inclinariam a balança a favor da colonização da Europa pelo Estreito de Gibraltar. Crédito: Earth-Science Reviews

Técnicas Geológicas e Datação

A nova datação foi baseada na análise do paleomagnetismo de uma área da região de Orce, que nunca foi amostrada antes e que foi protegida da erosão que esta bacia sofreu ao longo dos anos. Esta técnica é um método de datação relativa baseado no estudo da inversão dos polos magnéticos do planeta devido à dinâmica interna da Terra. Essas mudanças não têm uma periodicidade específica, mas são registradas nos minerais e permitem estabelecer períodos de tempo a partir dos diferentes eventos magnéticos.

Esses novos dados são muito precisos graças à longa sequência sedimentar que aflora em Orce. A singularidade desses sítios é que eles são estratificados e dentro de uma sequência sedimentar muito longa, com mais de oitenta metros de comprimento. Normalmente, os sítios são encontrados em cavernas ou dentro de sequências estratigráficas muito curtas, o que não permite desenvolver longas sequências paleomagnéticas nas quais você pode encontrar diferentes reversões magnéticas,- diz Gibert.

Os pesquisadores conseguiram identificar uma sequência de polaridade magnética com cinco eventos magnéticos que lhes permitem situar os três sítios de Orce com presença humana entre o subcrono de Olduvai e Jaramillo, ou seja, entre 1,77 e 1,07 milhões de anos atrás (Ma),- explica Gibert. Posteriormente, aplicaram um modelo estatístico de idade para refinar com precisão a cronologia dos diferentes níveis estratigráficos com uma margem de erro de apenas 70.000 anos.

Eles descobriram que Venta Micena é o sítio mais antigo com presença humana na Europa, com uma idade de 1,32 Ma, seguido por Barranco Leu00f3n, com uma idade de 1,28, e finalmente Fuente Nueva 3, com uma idade de 1,23 Ma. Com esses dados, o outro sítio importante da península, a Sima del Elefante em Atapuerca, ficaria relegado ao segundo lugar, muito atrás de Orce, entre 0,2 e 0,4 Ma mais moderno,- acrescenta Gibert.

Imagem da última escavação realizada no sítio de Venta Micena 3 em Orce (Granada, Espanha), onde foram descobertos os primeiros restos humanos. Crédito: Luis Gibert – Universidade de Barcelona

Analisando evidências faunísticas

Para completar a datação, os pesquisadores analisaram a fauna encontrada nos diferentes sítios de Orce, pois esta é diferente dependendo do período, e a compararam com a encontrada em outros sítios do Pleistoceno Inferior em outras partes da Europa.

Nesse sentido, o artigo apresenta uma análise detalhada dos micromamíferos e grandes mamíferos de todos os sítios de Orce, realizada pelo especialista Robert Martin, com base nas coleções paleontológicas armazenadas no Museu do Instituto Catalão de Paleontologia Miguel Crusafont (IPS) em Sabadell. Os resultados indicam que a fauna pequena e grande de Orce é mais primitiva do que, por exemplo, a da Sima del Elefante, onde as evidências mostram que o roedor Allophaiomys lavocati é mais evoluído do que o Allophaiomys recuperado dos sítios de Orce, – explica Gibert.

Outro indicador relevante da idade dos sítios de Orce é a ausência dos ancestrais dos porcos. Esses animais são considerados imigrantes asiáticos e não foram encontrados em nenhum sítio europeu entre 1 e 1,5 Ma, enquanto foram encontrados na Sima del Elefante, o que reforça que a fauna de Orce é mais antiga, diz Gibert.

Luis Gibert, pesquisador e professor da Faculdade de Ciências da Terra da Universidade de Barcelona. Crédito: Universidade de Barcelona

Evidências que apontam para a passagem por Gibraltar

Segundo o pesquisador, essa nova datação em conjunto com as evidências existentes inclina a balança a favor da colonização da Europa pelo Estreito de Gibraltar, em vez da rota alternativa: o retorno ao Mediterrâneo pela Ásia, como a existência de uma indústria lítica com semelhanças com a encontrada no norte do continente africano e também a presença de restos de fauna africana no sul da península, como os de Hippopotamus, encontrados nos sítios de Orce, e os de Theropithecus oswaldi, um primata africano semelhante a um babuíno, encontrado na caverna Victoria, um sítio perto de Cartagena (Murcia), inexistente em nenhum outro lugar da Europa.-

Gibert acrescentou: Também defendemos a hipótese de que eles chegaram de Gibraltar porque nenhuma evidência mais antiga foi encontrada em nenhum outro sítio ao longo da rota alternativa.-

Esses novos dados são muito precisos graças à longa sequência sedimentar que aflora em Orce.

Semelhança com os hominídeos da Ilha das Flores

Com esses resultados, os pesquisadores apontam para um diacronismo- entre a ocupação mais antiga da Ásia, medindo 1,8 Ma, e a ocupação mais antiga da Europa, que seria de 1,3 Ma atrás, de modo que os hominídeos africanos teriam chegado ao sudoeste da Europa mais de 0,5 Ma depois de deixar a África pela primeira vez há cerca de 2 Ma.

Essas diferenças na expansão humana podem ser explicadas pelo fato de a Europa estar isolada da Ásia e da África por barreiras biogeográficas difíceis de superar, tanto a leste (Estreito de Bósforo, Dardanelos, Mar de Mármara) quanto a oeste (Estreito de Gibraltar). A humanidade chegou à Europa quando tinha a tecnologia necessária para cruzar barreiras marítimas, como aconteceu antes, há um milhão de anos, na ilha das Flores (Indonésia),- diz Gibert.

Ele explica que, nesse sentido, a rota de Gibraltar atualmente exige a travessia de até quatorze quilômetros de via marítima, mas talvez no passado essa distância fosse menor em certos momentos devido à alta atividade tectônica nessa região e às flutuações do nível do mar que favoreciam as migrações.-

Conforme citado no artigo, identificamos outras migrações de fauna africana por Gibraltar em épocas anteriores, 6,2 e 5,5 Ma atrás, quando o Estreito de Gibraltar era muito estreito.

Evidências arqueológicas e genéticas de Orce

Um total de cinco restos humanos foram encontrados nos sítios de Orce desde que as escavações começaram em 1982 pelo paleoantropólogo Josep Gibert. Primeiramente, dois fragmentos de úmero mordidos por hienas foram encontrados em Venta Micena, assim como partes de um fragmento craniano consistindo de dois parietais e um occipital, associados a uma abundante fauna do Pleistoceno Inferior. A procedência humana desses restos gerou grande controvérsia por anos, embora estudos paleoproteômicos independentes pelas Universidades de Granada e São Francisco tenham identificado proteínas humanas nos restos.

A descoberta subsequente nos sítios próximos de Barranco Leu0f3n e Fuente Nueva 3 de dois dentes molares humanos e milhares de ferramentas líticas de Olduvai, uma das primeiras indústrias líticas humanas, bem como marcas de corte em ossos, serviram para consolidar a evidência da presença de hominídeos no Pleistoceno Inferior em Orce, conclui Luis Gibert.


Publicado em 31/07/2024 11h37

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