Novas descobertas sugerem o que a anestesia geral realmente faz ao cérebro

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Mais de 350 milhões de cirurgias são realizadas globalmente a cada ano. Para a maioria de nós, é provável que em algum momento de nossas vidas tenhamos que nos submeter a um procedimento que exija anestesia geral.

Embora seja uma das práticas médicas mais seguras, ainda não temos uma compreensão completa e completa de como os medicamentos anestésicos funcionam no cérebro.

Na verdade, permanece em grande parte um mistério desde que a anestesia geral foi introduzida na medicina, há mais de 180 anos.

Nosso estudo publicado hoje no The Journal of Neuroscience fornece novas pistas sobre as complexidades do processo. Os anestésicos gerais parecem afetar apenas partes específicas do cérebro responsáveis por nos manter alertas e acordados.

Células cerebrais alcançando um equilíbrio

Num estudo com moscas da fruta, descobrimos uma forma potencial que permite que os medicamentos anestésicos interajam com tipos específicos de neurônios (células cerebrais), e tudo tem a ver com proteínas. Seu cérebro tem cerca de 86 bilhões de neurônios e nem todos são iguais – são essas diferenças que permitem que a anestesia geral seja eficaz.

Para ser claro, não ignoramos completamente como os medicamentos anestésicos nos afetam. Sabemos por que os anestésicos gerais são capazes de nos fazer perder a consciência tão rapidamente, graças a uma descoberta marcante feita em 1994.

Mas para compreender melhor os detalhes, primeiro temos que olhar para as pequenas diferenças entre as células do nosso cérebro.

Em termos gerais, existem duas categorias principais de neurônios no cérebro.

Os primeiros são o que chamamos de neurônios “excitatórios”, geralmente responsáveis por nos manter alertas e acordados. Os segundos são neurônios “inibitórios” – sua função é regular e controlar os excitatórios.

Em nossa vida cotidiana, os neurônios excitatórios e inibitórios estão constantemente trabalhando e se equilibrando.

Quando adormecemos, existem neurônios inibitórios no cérebro que “silenciam” os excitatórios que nos mantêm acordados. Isso acontece gradualmente ao longo do tempo, e é por isso que você pode se sentir cada vez mais cansado ao longo do dia.

Os anestésicos gerais aceleram esse processo, silenciando diretamente esses neurônios excitatórios, sem qualquer ação dos inibitórios. É por isso que o seu anestesista lhe dirá que vai “colocá-lo para dormir” durante o procedimento: é essencialmente o mesmo processo.

Um tipo especial de sono

Embora saibamos por que os anestésicos nos fazem dormir, a questão então é: “por que continuamos dormindo durante a cirurgia?”. Se você fosse para a cama esta noite, adormecesse e alguém tentasse fazer uma cirurgia em você, você acordaria em estado de choque.

Até o momento, não há um forte consenso na área sobre por que a anestesia geral faz com que as pessoas permaneçam inconscientes durante a cirurgia.

Nas últimas décadas, os investigadores propuseram várias explicações potenciais, mas todas parecem apontar para uma causa raiz. Os neurônios param de conversar entre si quando expostos a anestésicos gerais.

Embora a ideia de “células conversando entre si” possa parecer um pouco estranha, é um conceito fundamental na neurociência. Sem essa comunicação, nossos cérebros não seriam capazes de funcionar. E permite que o cérebro saiba o que está acontecendo em todo o corpo.

Neurônios coloridos no cérebro de uma mosca. (Adam Hines)

O que descobrimos?

Nosso novo estudo mostra que os anestésicos gerais parecem impedir a comunicação dos neurônios excitatórios, mas não os inibitórios. Este conceito não é novo, mas encontramos algumas evidências convincentes de por que apenas os neurônios excitatórios são afetados.

Para que os neurônios se comuniquem, as proteínas precisam estar envolvidas. Uma das funções que essas proteínas desempenham é fazer com que os neurônios liberem moléculas chamadas neurotransmissores. Esses mensageiros químicos são os que transmitem sinais de um neurônio para outro: dopamina, adrenalina e serotonina são todos neurotransmissores, por exemplo.

Descobrimos que os anestésicos gerais prejudicam a capacidade dessas proteínas de liberar neurotransmissores, mas apenas em neurônios excitatórios. Para testar isso, usamos moscas da fruta Drosophila melanogaster e microscopia de super resolução para ver diretamente quais efeitos um anestésico geral estava tendo sobre essas proteínas em escala molecular.

Parte do que diferencia os neurônios excitatórios e inibitórios é que eles expressam diferentes tipos da mesma proteína. É como ter dois carros da mesma marca e modelo, mas um é verde e tem pacote esportivo, enquanto o outro é apenas padrão e vermelho. Ambos fazem a mesma coisa, mas um é um pouco diferente.

A liberação de neurotransmissores é um processo complexo que envolve muitas proteínas diferentes. Se uma peça do quebra-cabeça não estiver exatamente certa, os anestésicos gerais não serão capazes de fazer o seu trabalho.

Como próximo passo da pesquisa, precisaremos descobrir qual peça do quebra-cabeça é diferente, para entender por que os anestésicos gerais apenas interrompem a comunicação excitatória.

Em última análise, os nossos resultados sugerem que os medicamentos utilizados nos anestésicos gerais causam uma inibição global massiva no cérebro. Ao silenciar a excitabilidade de duas maneiras, essas drogas nos colocam para dormir e nos mantêm assim.


Publicado em 26/05/2024 12h50

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