O sucesso do teste de câncer CRISPR abre caminho para tratamentos personalizados

O complexo CRISPR-Cas9 (azul e amarelo) pode cortar DNA com precisão (vermelho).Crédito: Alfred Pasieka/Science Photo Library

A “terapia mais complicada de todos os tempos” adapta células imunológicas personalizadas e editadas pelo genoma para atacar tumores.

Um pequeno ensaio clínico mostrou que os pesquisadores podem usar a edição de genes CRISPR para alterar as células imunológicas para que elas reconheçam proteínas mutantes específicas dos tumores de uma pessoa. Essas células podem então ser soltas com segurança no corpo para encontrar e destruir seu alvo.

É a primeira tentativa de combinar duas áreas quentes na pesquisa do câncer: edição de genes para criar tratamentos personalizados e engenharia de células imunológicas chamadas células T para melhor direcionar os tumores. A abordagem foi testada em 16 pessoas com tumores sólidos, inclusive na mama e no cólon.

“É provavelmente a terapia mais complicada já tentada na clínica”, diz o coautor do estudo Antoni Ribas, pesquisador de câncer e médico da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. “Estamos tentando fazer um exército com as próprias células T de um paciente.”

Os resultados foram publicados na Nature e apresentados na reunião da Sociedade para Imunoterapia do Câncer em Boston, Massachusetts, em 10 de novembro.

Tratamentos sob medida

Ribas e seus colegas começaram sequenciando o DNA de amostras de sangue e biópsias de tumores, para procurar mutações encontradas no tumor, mas não no sangue. Isso tinha que ser feito para cada pessoa no julgamento. “As mutações são diferentes em cada câncer”, diz Ribas. “E embora existam algumas mutações compartilhadas, elas são a minoria.”

Os pesquisadores então usaram algoritmos para prever quais das mutações provavelmente seriam capazes de provocar uma resposta das células T, um tipo de glóbulo branco que patrulha o corpo em busca de células errantes. “Se [as células T] veem algo que não parece normal, elas o matam”, diz Stephanie Mandl, diretora científica da PACT Pharma no sul de São Francisco, Califórnia, e principal autora do estudo. “Mas nos pacientes que vemos na clínica com câncer, em algum momento o sistema imunológico meio que perdeu a batalha e o tumor cresceu”.

Após uma série de análises para confirmar suas descobertas, validar suas previsões e projetar proteínas chamadas receptores de células T que são capazes de reconhecer as mutações tumorais, os pesquisadores coletaram amostras de sangue de cada participante e usaram a edição do genoma CRISPR para inserir os receptores em suas células T. células. Cada participante então teve que tomar medicação para reduzir o número de células imunes que eles produziram, e as células manipuladas foram infundidas.

“Este é um processo de fabricação tremendamente complicado”, diz Joseph Fraietta, que projeta terapias contra o câncer de células T na Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia. Em alguns casos, todo o procedimento levou mais de um ano.

Cada um dos 16 participantes recebeu células T projetadas com até três alvos diferentes. Posteriormente, as células editadas foram encontradas circulando no sangue e estavam presentes em concentrações mais altas do que as células não editadas próximas aos tumores. Um mês após o tratamento, cinco dos participantes apresentaram doença estável, o que significa que seus tumores não haviam crescido. Apenas duas pessoas experimentaram efeitos colaterais provavelmente devidos à atividade das células T editadas.

Embora a eficácia do tratamento tenha sido baixa, os pesquisadores usaram doses relativamente pequenas de células T para estabelecer a segurança da abordagem, diz Ribas. “Só precisamos bater mais forte da próxima vez”, diz ele.

E à medida que os pesquisadores desenvolvem maneiras de acelerar o desenvolvimento das terapias, as células projetadas passam menos tempo sendo cultivadas fora do corpo e podem ser mais ativas quando são infundidas. “A tecnologia ficará cada vez melhor”, diz Fraietta.

Um começo sólido

Células T modificadas – chamadas células T CAR – foram aprovadas para o tratamento de alguns cânceres de sangue e linfa, mas os tumores sólidos representaram um desafio particular. As células CAR T são eficazes apenas contra proteínas que são expressas na superfície das células tumorais. Essas proteínas podem ser encontradas em muitos cânceres do sangue e da linfa, o que significa que não há necessidade de projetar novos receptores de células T para cada pessoa com câncer.

Mas as proteínas de superfície comuns não foram encontradas em tumores sólidos, diz Fraietta. E os tumores sólidos fornecem barreiras físicas às células T, que devem circular pelo sangue, viajar até o tumor e depois se infiltrar para matar as células cancerígenas. As células tumorais às vezes também suprimem as respostas imunes, tanto pela liberação de sinais químicos imunossupressores quanto pelo uso do suprimento local de nutrientes para alimentar seu rápido crescimento.

“O ambiente ao redor de um tumor é como um esgoto”, diz Fraietta. “As células T tornam-se menos funcionais assim que atingem o local.”

Com essa prova de conceito inicial em mãos, Mandl e seus colegas esperam poder projetar células T não apenas para reconhecer mutações do câncer, mas também para serem mais ativas perto do tumor. Mandl diz que existem várias maneiras potenciais de fortalecer as células T, por exemplo, removendo os receptores que respondem a sinais imunossupressores ou ajustando seu metabolismo para que possam encontrar mais facilmente uma fonte de energia no ambiente do tumor.

Esses projetos elaborados podem ser viáveis graças aos recentes avanços tecnológicos no uso do CRISPR para editar células T, diz Avery Posey, que estuda terapias celulares e genéticas para tratamento de câncer na Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia. “Tornou-se incrivelmente eficiente”, diz ele. “Veremos meios muito sofisticados de engenharia de células imunes na próxima década.”


Publicado em 13/11/2022 06h29

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