A terapia genética baseada em CRISPR diminui a dor em camundongos

A abordagem direcionada pode levar a uma forma livre de opioides de tratar a dor crônica.

Uma técnica de silenciamento de genes baseada no CRISPR pode aliviar a dor em ratos, de acordo com um estudo. Embora a terapia ainda esteja muito longe de ser usada em humanos, os cientistas dizem que é uma abordagem promissora para reprimir a dor crônica que dura meses ou anos. A dor crônica é geralmente tratada com opioides, como a morfina, que pode levar ao vício.

“É um verdadeiro desafio que os melhores medicamentos que temos para tratar a dor nos dêem outra doença”, diz Margarita Calvo, médica da dor da Pontifícia Universidade Católica do Chile, em Santiago, que não esteve envolvida na pesquisa. É por isso que a técnica baseada em CRISPR é empolgante, diz ela.

Os cientistas já estão avaliando as terapias CRISPR que editam o genoma de uma pessoa como tratamentos para doenças do sangue e algumas formas de cegueira hereditária. A nova versão do CRISPR não edita genes diretamente – impede que sejam expressos – e, portanto, não deve causar mudanças permanentes, embora não esteja claro por quanto tempo seus efeitos duram.

Uma nova maneira de direcionar a dor

Alguns estudos estimam que uma grande proporção da população na Europa e nos Estados Unidos – até 50% – experimenta dor crônica. Essa dor pode se tornar debilitante com o tempo, limitando a atividade de uma pessoa e tendo um efeito negativo em sua saúde mental. Apesar da prevalência da doença, existem poucas opções para fornecer alívio de longo prazo sem efeitos colaterais. Mesmo assim, os médicos estão se afastando da prescrição de opioides devido ao risco de dependência, o que reduziu ainda mais suas opções.

Essa situação inspirou a bioengenheira Ana Moreno e colegas da Universidade da Califórnia, em San Diego, a buscar um tratamento alternativo.

A dor é registrada no cérebro quando um estímulo – como tocar uma panela escaldante ou ser cutucado com um objeto pontiagudo – aciona os neurônios para enviar um sinal elétrico através dos nervos da medula espinhal e para cima, para o cérebro. Isso acontece quando aberturas semelhantes a poros ao longo do neurônio – chamadas de canais iônicos – se abrem e fecham para permitir a passagem dos íons, o que transmite uma corrente ao longo do nervo. Com a dor crônica, partes dessa via podem se tornar hiperativas.

Embora existam muitos tipos de canais iônicos, estudos sugeriram que um canal de sódio chamado Nav1.7 pode desempenhar um papel central na dor crônica. Quando as pessoas têm mutações no gene que codifica para este canal, elas experimentam uma dor extrema e constante ou não conseguem sentir nenhuma dor.

Portanto, Moreno e sua equipe pensaram que poderiam ser capazes de interromper os sinais de dor que chegam ao cérebro, evitando que os neurônios produzam Nav1.7. Os químicos têm tentado bloquear o Nav1.7 com drogas de moléculas pequenas e anticorpos, mas têm dificuldade porque essas terapias também interagem com canais de sódio estruturalmente semelhantes no corpo, causando efeitos colaterais, incluindo dormência e má coordenação. Mas com o CRISPR, que tem como alvo os genes com precisão, os pesquisadores pensaram que poderiam acertar o Nav1.7 diretamente, sem quaisquer efeitos fora do alvo.

Aproveitando a precisão do CRISPR

A equipe começou com uma versão modificada da proteína Cas9 que normalmente faz parte do sistema de edição de genes CRISPR. Ele poderia ter como alvo, mas não cortar, a sequência de DNA que codifica Nav1.7. Os pesquisadores anexaram ao Cas9 modificado uma segunda proteína “repressora” que impede a expressão do gene Nav1.7. Os pesquisadores empacotaram esse sistema em um pequeno vírus inativo chamado vírus adeno-associado, que poderia transportá-lo para dentro das células.

Eles deram aos ratos uma injeção espinhal da terapia de silenciamento de genes e, em seguida, tentaram induzir a dor crônica injetando nos animais drogas quimioterápicas ou agentes inflamatórios. Esses ratos foram mais tolerantes a estímulos dolorosos. E ratos que já sofriam de dores crônicas se beneficiaram com a terapia, mostrou a equipe. Por exemplo, camundongos que receberam doses de quimioterapia tornaram-se muito sensíveis à dor, mas perderam essa sensibilidade após uma única injeção da terapia gênica. Os resultados foram publicados na Science Translational Medicine em 10 de março.

O alívio da dor parecia durar, em alguns casos, até 44 semanas após a injeção. “Isso é notável”, diz Sulayman Dib-Hajj, neurocientista da Universidade de Yale em New Haven, Connecticut.

É importante ressaltar que, diz Calvo, o tratamento parece ter derrubado a expressão de Nav1.7 sem desligar outros canais de sódio – os ratos não perderam nenhuma sensação além da dor e não apresentaram outros efeitos colaterais.

Apesar de sua empolgação, os cientistas alertam que esses resultados ainda são preliminares e não sabem se o alívio da dor observado em camundongos se traduzirá em humanos. “Isso nos dá esperança de que as abordagens de terapia gênica possam funcionar em humanos” para tratar a dor crônica, diz Dib-Hajj, “mas mais trabalho precisa ser feito”.

Moreno é agora o presidente-executivo da Navega Therapeutics em San Diego, que planeja continuar desenvolvendo o tratamento com a esperança de um dia testá-lo em humanos.


Publicado em 15/03/2021 22h24

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