Olhe o suficiente para o céu e o Universo começa a se parecer com uma cidade à noite. Galáxias assumem características de postes de luz aglomerando-se em bairros de matéria escura, ligados por rodovias de gás que correm ao longo das margens do nada intergaláctico.
Este mapa do Universo foi pré-ordenado, apresentado no mais ínfimo dos arrepios da física quântica momentos após o Big Bang ter se lançado em uma expansão do espaço e do tempo, cerca de 13,8 bilhões de anos atrás.
No entanto, exatamente o que foram essas flutuações, e como elas colocaram em movimento a física que veria os átomos se acumularem nas massivas estruturas cósmicas que vemos hoje, ainda está longe de ser claro.
Uma nova análise matemática dos momentos após um período chamado de época inflacionária revela que algum tipo de estrutura pode ter existido mesmo dentro da fervilhante fornalha quântica que encheu o Universo infantil, e poderia nos ajudar a entender melhor seu layout hoje.
Astrofísicos da Universidade de Göttingen na Alemanha e da Universidade de Auckland na Nova Zelândia usaram uma mistura de simulações de movimento de partículas e um tipo de modelagem gravitacional / quântica para prever como as estruturas podem se formar na condensação de partículas após a inflação.
A escala desse tipo de modelagem é um pouco alucinante. Estamos falando de massas de até 20 quilos espremidas em um espaço de apenas 10-20 metros de largura, em uma época em que o Universo tinha apenas 10-24 segundos.
“O espaço físico representado por nossa simulação caberia em um único próton um milhão de vezes”, diz o astrofísico Jens Niemeyer, da Universidade de Göttingen.
“É provavelmente a maior simulação da menor área do Universo que já foi realizada.”
A maior parte do que sabemos sobre esse estágio inicial da existência do Universo se baseia justamente nesse tipo de investigação matemática. A luz mais antiga que ainda podemos ver piscando através do Universo é a Radiação Cósmica de Fundo (CMB), e todo o show já estava na estrada por cerca de 300.000 anos até então.
Mas dentro daquele eco fraco de radiação antiga, existem algumas pistas sobre o que estava acontecendo.
A luz do CMB foi emitida como partículas básicas combinadas em átomos da sopa quente e densa de energia, no que é conhecido como a época da recombinação.
Um mapa dessa radiação de fundo no céu mostra que nosso Universo já tinha algum tipo de estrutura por volta de algumas centenas de milhares de anos de idade. Havia partes um pouco mais frias e partes um pouco mais quentes que poderiam empurrar a matéria para áreas que eventualmente veriam estrelas se inflamarem, galáxias espiralarem e massas se acumularem na cidade cósmica que vemos hoje.
Isso levanta uma questão.
O espaço que constitui nosso Universo está se expandindo, o que significa que o Universo deve ter sido muito menor. Portanto, é lógico que tudo o que vemos ao nosso redor agora foi amontoado em um volume confinado demais para que tais manchas quentes e frias surgissem.
Como uma xícara de café na fornalha, não havia como qualquer peça esfriar antes de aquecer novamente.
O período inflacionário foi proposto como forma de resolver esse problema. Dentro de trilionésimos de segundo do Big Bang, nosso Universo saltou de tamanho em uma quantidade insana, essencialmente congelando quaisquer variações de escala quântica no lugar.
Dizer que isso aconteceu em um piscar de olhos ainda não faria justiça. Teria começado por volta de 1036 segundos após o Big Bang e terminado em 1032 segundos. Mas era longo o suficiente para o espaço assumir proporções que impediam que pequenas variações de temperatura se suavizassem novamente.
Os cálculos dos pesquisadores se concentram neste breve instante após a inflação, demonstrando como as partículas elementares congeladas da espuma das ondas quânticas naquela época poderiam ter gerado breves halos de matéria densa o suficiente para enrugar o próprio espaço-tempo.
“A formação de tais estruturas, assim como seus movimentos e interações, devem ter gerado um ruído de fundo de ondas gravitacionais”, diz o astrofísico Benedikt Eggemeier, da Universidade de Göttingen, o primeiro autor do estudo.
“Com a ajuda de nossas simulações, podemos calcular a força desse sinal de onda gravitacional, que pode ser mensurável no futuro.”
Em alguns casos, as massas intensas de tais objetos poderiam ter puxado a matéria para os buracos negros primordiais, objetos que, segundo a hipótese, contribuem para a atração misteriosa da matéria escura.
O fato de o comportamento dessas estruturas imitar a aglomeração em grande escala do nosso Universo hoje não significa necessariamente que seja diretamente responsável pela distribuição atual de estrelas, gás e galáxias.
Mas a física complexa que se desdobra entre essas partículas recém-assadas pode ainda ser visível no céu, entre aquela paisagem ondulante de luzes cintilantes e vazios escuros que chamamos de Universo.
Publicado em 28/03/2021 10h02
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